Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBAGADOR PRESIDENTE DA CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO $[processo_estado]
PROCESSO DE ORIGEM Nº $[processo_numero_cnj]
$[advogado_nome_completo], brasileiro, solteiro, professor universitário e advogado, titular da carteira de identidade nº $[geral_informacao_generica], inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas sob o n.° $[geral_informacao_generica], com endereço para intimações na Rua $[advogado_endereco] vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência impetrar o presente
HABEAS CORPUS COM PEDIDO DE LIMINAR
em favor de $[parte_autor_nome_completo], $[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_maioridade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], inscrito no CPF sob o nº $[parte_autor_cpf], RG nº $[parte_autor_rg], residente e domiciliado $[parte_autor_endereco_completo] e com endereço para intimações no $[parte_autor_endereco_completo] com fundamento no art. 5.º, LXVIII, da Constituição Federal, em combinação com o arts. 647 e 648, VI, do Código de Processo Penal, apontando como autoridade coatora o $[parte_reu_razao_social], por razões de fato e de direito a seguir expostas:
1. Os Fatos
O ora paciente ostenta a condição de sujeito passivo de processo penal que tem curso na 5ª Vara Criminal da Comarca de $[geral_informacao_generica], porquanto fora denunciado pela prática em tese do delito de homicídio qualificado, senão vejamos a seguir o trecho da denúncia em que se narra o fato imputado:
“De acordo com o analisado na fase inquisitória, a vítima, se dirigiu a [sic] residência de um vizinho, nas proximidades do endereço acima mencionado, quando foi surpreendido [sic] por três homens que se encontravam em um veículo GM, modelo Corsa, de cor branca.
Ato contínuo, a Vítima correu, sendo seguida por dois deles a pé e o outro seguiu com o veículo, oportunidade em que os agressores praticaram a ação criminosa.
É importante ressaltar que dos três agressores as testemunhas oculares reconheceram um, que é $[geral_informacao_generica], de acordo com o Auto de Reconhecimento de Pessoa de fls. 64 e 69 dos autos.
Depreende-se dos autos que a ação do Denunciado teve como motivação a vingança, em virtude da Vítima ter praticado o crime de homicídio em desfavor de $[geral_informacao_generica], conhecido como “$[geral_informacao_generica]”, irmão do Incriminado.
Após a prática delitiva os Agressores se evadiram do local do crime. ”
A mencionada denúncia foi recebida e deve curso toda a primeira fase do procedimento do júri, denominada de iuditium accusationis, sendo, por fim, o réu (ora paciente) pronunciado.
A decisão de pronúncia foi impugnada através de Recurso em Sentido Estrito, ao qual foi negado provimento. Desta decisão foi interposto Recurso Especial, o qual, por sua vez, teve seu seguimento negado, o que se buscou superar com o manejo de Agravo à Superior Instância. Este, após a interposição de agravo interno, teve o seu mérito conhecido, porém sem sucesso, haja vista ter esposado a tese de que o exame o do mérito do Recurso Especial demandaria o reexame da matéria fático-probatória, o que não é admitido, consoante entendimento firmado no Verbete nº 07 da Súmula do STJ. Assim, em resumidamente, foi mantida a pronúncia.
Após a descida dos autos, o Ministério Público formulou o seguinte pedido:
“Requer a juntada cópia de sentença de pronúncia e de acórdão referentes ao processo nº 200721800045, em trâmite perante o Juízo de Direito da 8ª Vara Criminal da Comarca de Aracaju/SE, onde figura como réu o acusado $[geral_informacao_generica]. Ademais, considerando-se que o Julgamento Popular correspondente ao aludido feito se encontra designado para o dia 21 de setembro de 2010, requer que, após a sua realização, seja acostada aos presentes autos a sentença de mérito respectiva. ”
Tal pedido foi deferido pelo juízo monocrático de primeiro grau através de despacho com o seguinte teor:
R. Hoje.
Defiro a juntada de documentos de fl. 602/611.
Vista dos autos à Defesa do acusado $[geral_informacao_generica] para ciência da descida dos autos, da juntada dos documentos, bem como para fins do art. 422 do CPP.
Diante do aludido ato decisório, o réu apresentou pedido de reconsideração , em que pleiteou o desentranhamento dos documentos em questão; contudo este requerimento foi indeferido, com o argumento de que tal juntada teria ocorrido no “tempo oportuno, em observância ao disposto no artigo 479 do CPP, bem como por não haver vedação legal a impedir que a parte os traga à colação nesta oportunidade ”.
Desse modo, permaneceram encartados nos autos do processo-crime registrado com o nº $[geral_informacao_generica], os documentos que ali ostentam a numeração de 602 a 611, a saber: a capa dos autos do processo nº $[geral_informacao_generica], bem como das decisões de pronúncia e do Recurso em Sentido Estrito nele proferidas.
O presente mandamus demonstrará o error in procedendo da decisão que admitiu a juntada dos documentos em questão (decisão de pronúncia e do ato decisório que esta manteve, proferido em sede de Recurso em Sentido Estrito), haja vista ter, a um só tempo, ofendido o Princípio do Estado de Inocência, o caráter acusatório do processo penal brasileiro e o devido processo legal, subvertendo, de tal arte, o cariz democrático da Constituição Federal de 1988. Vale dizer, o juízo de 1º grau, quando deferiu a juntada dos documentos debatidos, analisou tão-somente a limitação de ordem temporal expressa no art. 479 do CPP, deixando à margem limitações de diversas ordens, às quais ora buscaremos lançar luz.
2. O Direito
2.1. A Irrelevância da Prova que se pretende produzir – Direito Penal do Fato
Os documentos juntados aos autos do processo fazem prova de fato absolutamente impertinente ao seu julgamento, razão pela qual devem ser desentranhados.
Como cediço, ao longo da história da Teoria do Delito ocorreram inúmeros debates sobre o que vem a ser a culpabilidade, bem como sobre o que ela recai.
Para aqueles que adotavam uma concepção psicológica da culpabilidade (Causalistas) esta era uma ligação psíquica entre o autor do delito e o crime.
Com os neokantistas, adota-se uma concepção psicológico-normativa da culpabilidade, que era entendida não somente como uma ligação psíquica entre o agente e o resultado, mas também apresentava um elemento normativo, de reprovação, consistente na consciência da ilicitude. Assim, a culpabilidade passou a representar um juízo de reprovação sobre a evitabilidade do delito, bem como sobre o elemento subjetivo do agente.
Os Finalistas, por seu turno, lançaram inúmeras críticas à construção dos Neokantistas, dentre elas, afirmaram que, adotada a noção de culpabilidade destes, seria impossível reprovar o criminoso habitual, haja vista que este muitas vezes nunca tivera o conhecimento de qual a conduta correta, portanto, seria impossível reprovar o seu dolo.
Edmund Mezger, o maior expoente da Teoria Psicológico-Normativa da Culpabilidade, buscou responder às críticas lançadas pelos finalistas e para tanto formulou duas teorias bastante conhecidas: A Teoria da Valoração Paralela da Esfera do Profano e a Teoria da Culpabilidade por Conduta de Vida.
Assim, para ele, não havia problema que o dolo e a culpa habitassem a culpabilidade, porquanto a reprovabilidade por esta representada recaía não sobre o dolo e a culpa do ato criminoso, mas sim pela conduta de vida do autor do delito.
Nesse diapasão, para Mezger, o crime seria pressuposto da pena, mas não a sua medida. Uma vez que esta seria retirada da conduta de vida do criminoso. Adotava, portanto, uma Teoria do Direito Penal do Autor.
Para os finalistas, em especial Hans Welzel, tal esforço de Mezger tão somente serviu para por em evidência que o correto lugar do dolo e da culpa não é a culpabilidade, mas sim a tipicidade. Argumentou que seria um absurdo punir a conduta de vida, porquanto se o criminoso não tem liberdade no momento da conduta criminosa, menor ainda terá na origem de sua conduta de vida, já que a personalidade é algo formado desde a mais tenra idade.
Tudo isto serve para demonstrar como constitui um imenso retrocesso a adoção de o direito penal do autor, o qual não é aceito pela Constituição Brasileira, tampouco pelo Código Penal.
Vale, ainda, ressaltar que, segundo investigações promovidas por Francisco Muñoz Conde , Mezger teve uma, no mínino suspeita, aproximação com nacional socialismo, de cuja nefasta experiência não se esqueceu o mundo.
Ocorre que, conquanto haja hoje uma forte rejeição ao modelo do Direito Penal de Autor, é nele que se inspira o despacho ora impugnado; haja vista que o fato a ser julgado no presente feito não guarda qualquer relação com aquele de que tratam os documentos trazidos aos autos, bastando, para tanto, sua simples leitura.
Percebe-se, portanto, que a introdução dos mencionados documentos nos autos consiste verdadeira manobra realizada com o fim de convencer os jurados (juízes leigos que são) de que o réu é merecedor de reprimenda penal, porquanto possui uma personalidade criminosa, violenta, etc. Trata-se de verdadeiro détournment de pouvoir dirigido a subverter, ao menos na cabeça dos jurados, qual seria o objeto do juízo a ser por eles exercido, substituindo o fato criminoso, pelo caráter, ou personalidade ou ainda conduta de vida do réu. Transmutando a culpabilidade do fato em culpabilidade de autor e retrocedendo décadas de evolução na Dogmática Penal.
Significa dizer que os documentos juntados aos autos trazem prova completamente impertinente ao fato a ser apreciado no presente processo, razão pela qual devem ser desentranhados, conforme possibilita o seguinte preceptivo legal:
Art. 400 do CPP. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-seá à tomada de declaração do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, Às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado.
§1º As provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias. (Grifos acrescidos).
É precisamente essa a lição de Aury Lopes Jr., senão vejamo-lá:
Questão complexa envolve a juntada de denúncias, sentenças ou acórdãos proferidos em outros processos contra o mesmo réu. Os inconvenientes situam-se noutra dimensão, na medida em que são documentos públicos e acessíveis. A questão aqui é, novamente, a cultura inquisitória que ainda domina o ambiente jurídico. O que se pretende, na maior parte dos casos, é mostrar a “periculosidade” do réu e sua ”propensão ao delito” (pior ainda quando argumentam em torno da personalidade voltada para o crime”...), fomentando no juiz um verdadeiro “direito penal de autor” (em oposição ao direito penal do fato), para que o réu seja punido não pelo que eventualmente fez (ou não) naquele processo, mas sim por sua conduta social, vida pregressa e outras ilações do estilo. Incumbe ao juiz considerar que tais documentos não interessam ao processo, não contribuindo para a averiguação daquele fato em julgamento e determinar o desentranhamento.
Inclusive, invocando a lição de GOMES FILHO, entendemos que existe um verdadeiro direito à exclusão das provas inadimissíveis, impertinentes ou irrelevantes, como o são essas que acabamos de referir. Esse direito de exclusão é correlato ao direito à prova, e serve como importante filtro para evitar o grave retrocesso de construir um processo penal para atender aos inquisitórios fins do direito penal do autor. [...]. (Grifos acrescidos).
Poder-se-ia, porém obtemperar que tais documentos interessariam ao julgamento dos autos, porquanto o juiz poderia ponderá-los por ocasião de eventual dosimetria da pena, considerando tais fatos ou como reincidência ou como maus antecedentes.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça bem como o próprio Tribunal de Justiça o Estado de Sergipe tem firme posicionamento de que os processos criminais em andamento não constituem maus antecedentes, e com mais razão reincidência, valendo transcrever a seguir ementa e trecho de voto em que o tema é enfrentado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe:
“APELAÇÃO CRIMINAL - ESTELIONATO (ART.171, CP) - CRIME CONTINUADO (ART.71, CP) - ACERVO PROBATÓRIO CONVINCENTE QUANTO À PRÁTICA DELITIVA - PALAVRA DA VÍTIMA - MAIOR RELEVÂNCIA NOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO - CONDENAÇÃO MANTIDA - DOSIMETRIA DA PENA - MAUS ANTECEDENTES - PROCESSOS EM ANDAMENTO - CONFIGURAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA - PRECEDENTES DESTE TRIBUNAL E DO STJ - …