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Modelo de Contestação em Corte de Energia Elétrica | Danos | Adv.Williann

WG

Williann Rudolfo Georgi

Advogado Especialista

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Resumo

Petição

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA CÍVEL DA COMARCA DE $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]

 

 

 

 

Processo nº $[processo_numero_cnj]

Ação Ordinária com Pedido de Tutela Antecipada

Objeto: Contestação

 

 

 

 

$[parte_autor_nome_completo], já qualificada nos autos da ação ordinária que lhe move $[parte_reu_nome_completo], vem, respeitosamente, por seus procuradores signatários, à presença de V. Exa., oferecer 

 

C O N T E S T A Ç Ã O

 

pelos fatos e fundamentos que passa a expor:

 

INTRODUÇÃO – DAS ALEGAÇÕES DA AUTORA

 

Trata-se de ação ordinária por meio da qual a autora requer a manutenção do fornecimento de energia elétrica; 

 

Em síntese, alega a autora que um funcionário da requerida adentrou, sem restrições, a sua residência, retirando o medidor de energia sob a alegação de que seria levado para avaliação, deixando a autora sem o fornecimento de energia elétrica.

 

Como resultado da avaliação, foi informado que o medidor estava adulterado, tendo deixado de medir o consumo durante o período de 05 anos anteriores à constatação por parte da requerida, motivo pelo qual foi imposta multa, que por não ter sido paga acarretou no corte no fornecimento de energia elétrica da autora.

 

Esse é o breve relato da exordial. No entanto, as pretensões da demandante, conforme se demonstrará, não merecem prosperar.

 

DA REALIDADE FÁTICA

 

Em $[geral_data_generica] procedeu-se a ato fiscalizatório, de rotina, na unidade consumidora titulada pela requerente, oportunidade em que foi constatada a ocorrência de irregularidades na medição de energia elétrica. 

 

A fiscalização realizada pela empresa-ré constitui um direito e um dever de toda e qualquer concessionária de distribuição de energia elétrica. Visa essa fiscalização a apurar as condições técnicas e de segurança da medição da unidade consumidora objeto da inspeção, para que quaisquer irregularidades encontradas não provoquem riscos à população, tampouco prejuízos à concessionária.

 

 Os funcionários que procederam à autuação, mediante a lavratura do Termo de Ocorrência de Irregularidade (TOI) nº 97307 (doc. anexo), relatam:

 

“Em fiscalização na unidade consumidor foi constatado que não havia lacre na caixa de proteção e nem na tampa de bornes, quando vistoriado foi constatado que a ponte de potencial do medidor estava aberta fazendo o mesmo não registrar o consumo de energia na unidade. O medidor foi embalado em invólucro com o lacre H338350. O cliente acompanhou toda a vistoria, tudo foi registrado por fotos e o cliente ficou desligado.”  (grifou-se)

 

Salienta-se que todo o procedimento foi acompanhado pela própria autora, a qual assinou o Termo de Ocorrência de Irregularidade, bem como a Autorização para Efetuar Levantamento de Carga (docs. anexos), autorizando a fiscalização e tendo ciência da irregularidade constatada. 

 

O aparelho medidor foi, na presença da autora, acondicionado em invólucro plástico lacrado (como informado no laudo) e enviado para a análise técnica do INMETRO, órgão oficial e imparcial. 

 

Saliente-se, ainda, que o INMETRO é o órgão imparcial que possui as condições técnicas, notadamente equipamentos, necessários à realização de perícia técnica no medidor de energia. 

 

Outrossim, cumpre esclarecer, que o medidor, quando retirado da unidade consumidora, no momento da constatação da irregularidade, é acondicionado dentro de invólucro lacrado, na presença do responsável pela unidade consumidora. Tal lacre é conferido pelo órgão promovedor da perícia, conforme se depreende do laudo do INMETRO - veja-se que no campo “Situação do equipamento”, na linha que designa “Invólucro” consta “De acordo com a Resolução ANEEL 456”. Após o medidor ser vistoriado, é embalado em invólucro pelo próprio INMETRO, não sofrendo nenhum tipo de manuseio por parte da concessionária. 

 

Dessa forma, conclui-se que o artifício descrito permitiu que a autora recebesse regularmente energia elétrica em sua residência, sem que a concessionária registrasse e emitisse a cobrança na quantidade de kWh efetivamente consumida. Lucrava a autora e perdia a concessionária.

 

Nessas condições, não havia a devida contraprestação pelo serviço prestado - fato esse que, por si só, autoriza a cobrança dos valores não registrados durante o período da irregularidade. 

 

Assim, o engenheiro $[geral_informacao_generica] procedeu ao cálculo do consumo praticado, mas não faturado no período da irregularidade, o qual será melhor especificado nos tópicos a seguir. O cálculo leva em consideração a análise da documentação produzida pelos fiscais (fotografias, levantamento de carga, etc) e do histórico de consumo da autora.

 

Ainda no dia $[geral_data_generica], foi remetida à autora correspondência (doc. anexo) contendo informações sobre: a) a irregularidade constatada; b) o valor total do débito apurado a título de recuperação de consumo; c) a legislação aplicável à espécie; d) os documentos pertinentes ao processo de fiscalização e cobrança; e, finalmente, e) a possibilidade de ingressar com recurso administrativo no caso de discordância em relação à cobrança e aos respectivos valores. 

 

A Autora, contudo, por opção sua, manteve-se inerte, salientando que assinou por vontade própria o termo de ocorrência de irregularidade, ou seja, sabia de qual assunto se tratava.

 

Esses são os fatos. Analisa-se o Direito.

 

DO DIREITO

1. DA LEGALIDADE E DA JURIDICIDADE DO PROCEDIMENTO DE FISCALIZAÇÃO

 

Demonstra-se necessário esclarecer que a demandada não pautou sua conduta por critérios por ela criados, estando presentes a legalidade e fundamentação do procedimento adotado pela empresa ré.

 

Todos os procedimentos, conforme aludido anteriormente, foram realizados de acordo com a previsão da legislação específica para o setor de energia elétrica, qual seja, a Resolução 456/00 da ANEEL (doc anexo). O procedimento de fiscalização, especificamente, está previsto na Resolução 456/00 da ANEEL no artigo 72 e seguintes. 

 

O referido artigo dispõe que, uma vez constatada a ocorrência de qualquer procedimento irregular, cuja responsabilidade não seja atribuível à concessionária e que tenha provocado faturamento inferior ao correto, deve a distribuidora:

 

(1) emitir “Termo de Ocorrência de Irregularidade” (inciso I do artigo 72), o que foi feito no caso dos autos;

(2) providenciar perícia técnica, quando solicitada pelo usuário (inciso II do artigo 72) (laudo do INMETRO); e,

(3) proceder à revisão do faturamento.

 

Todas essas informações foram levadas ao conhecimento da autora, conforme demonstram os documentos juntados aos autos e já mencionados acima.

 

Resta, portanto, cabalmente demonstrado que todo o procedimento foi efetivado pela ré dentro do que determina a Resolução da ANEEL nº 456/00, cujo texto é acessível e de conhecimento dos usuários, tendo sido oportunizado à autora o exercício do direito de defesa e contraditório.

 

2. DA NÃO APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DE CONSUMIDOR

 

Não prospera a alegação de que a relação entre a demandante e a ré de consumo, uma vez que existe todo um sistema normativo de regulamentação do serviço de fornecimento de energia elétrica, o qual emana da Carta Magna e segue sua própria e específica hierarquia.

 

Pois bem, seguindo-se essa pirâmide normativa, tem-se que a lei ordinária que regula a relação de consumo em tela é a Lei 8.987/95, Lei das Concessões Públicas, e não a Lei 8.078/90, Código de Defesa do Consumidor.

 

Ambas as referidas normas possuem o mesmo nivelamento hierárquico, no entanto, dada a maior especificidade, é que incide, no caso concreto, a Lei 8.987/95.

 

Com efeito, está-se, sim, diante de uma relação de consumo, mas está-se, fundamentalmente, diante de uma relação de consumo especial, em que devem incidir, por óbvio, normas de regime especial. 

 

Tal especialidade é encontrada na Lei 8.987/95 e não no CDC.

 

Nesse sentido, o voto proferido pelo Desembargador Irineu Mariani, no julgamento da Apelação Cível nº 70005286356 (ocorrido em 04 de junho 2003):

 

“Assim, se por um lado, não há dúvida de que estamos diante de uma relação DE CONSUMO, POR OUTRO, DÚVIDA TAMBÉM NÃO HÁ DE QUE ESTAMOS DIANTE DE UMA RELAÇÃO DE CONSUMO DIFERENCIADA DA COMUM, UMA VEZ QUE ENVOLVE PARAFISCALIDADE. NÃO É POR NADA QUE O ARTIGO 175, CUJO PARÁGRAFO ÚNICO, I, DA CF, FALA INCLUSIVE EM CARÁTER ESPECIAL DO CONTRATO.

Por isso, não me convenço da tese oposta no sentido da impossibilidade da suspensão do fornecimento. ENVOLVENDO RELAÇÃO DE CONSUMO ESPECIAL, O TRATAMENTO NÃO É NEM PODE SER AQUELE DAS RELAÇÕES DE COMUNS DO CDC.”(grifamos)

 

Corrobora o acima explicitado a seguinte decisão:

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ENERGIA ELÉTRICA. PEDIDO PURO E SIMPLES DE GARANTIA DE CONSUMO INDEPENDENTEMENTE DE PAGAMENTO. 1. O art. 6º, § 3º, II, da Lei 8.987/95, que dispõe acerca do regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175 da CF, diz que não caracteriza descontinuidade a interrupção do serviço por inadimplência, considerado o interesse da coletividade. O art. 17, parágrafo único, da Lei 9.427/96, que disciplina o regime de concessão do serviço público de energia elétrica, enseja a suspensão do fornecimento por inadimplência, inclusive ao Poder Público, com prévia notificação. Assim, é válido o art. 91, I, da Resolução 456, de 29-11-2000, da ANEEL, pelo qual a concessionária pode suspender o fornecimento, após prévia comunicação formal ao consumidor, na hipótese de atraso no pagamento da fatura relativa à prestação de energia elétrica. Envolvendo relação de consumo especial, pois diz respeito a serviço público, haja vista que o art. 175, parágrafo único, I, da CF, refere caráter especial do contrato, portanto, diferenciada da relação de consumo comum, a regência é da legislação específica, e não do CDC. 2. Agravo de instrumento provido. (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 70006665004, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: IRINEU MARIANI, JULGADO EM 05/11/2003)”(grifou-se)

 

Consoante demonstrado, o princípio da legalidade exige a observância da Resolução em comento. E não poderia ser diferente, dado que, ao contrário de outros estabelecimentos da iniciativa privada, a distribuidora, por ser concessionária de serviço público, tem sua atividade vinculada à lei, não lhe sendo facultado agir de forma diversa.

 

Dessa forma, não se podem aplicar os preceitos do CDC ao caso em questão, uma vez que os atos praticados pela concessionária estão adstritos a outra norma, de mesma hierarquia e maior especificidade, a Lei 8.987/95.

 

Tem-se, portanto, que a tentativa da autora de ver aplicado à espécie o CDC não pode prosperar, devendo ser desconsideradas as disposições de tal diploma para  julgamento da presente ação, pelas razões acima expostas.

 

Neste sentido, afastam-se todas as alegações que se sustentem no Código de Defesa do Consumidor, por tudo acima demosntrado.

 

3. DO CÁLCULO DE RECUPERAÇÃO DE CONSUMO

 

Diante da irregularidade constatada, tem a concessionária o direito, expressamente tutelado pela Resolução 456/2000, de proceder à apuração das diferenças de consumo, conforme critérios ali discriminados. Aplicou-se, assim, o disposto no art. 72 da Resolução em referência, abaixo transcrito:

 

“Art. 72. Constatada a ocorrência de qualquer procedimento irregular cuja responsabilidade não lhe seja atribuível e que tenha provocado faturamento inferior ao correto, ou no caso de não ter havido qualquer faturamento, a concessionária adotará as seguintes providências:

 (...)

IV - proceder a revisão do faturamento com base nas diferenças entre os valores efetivamente faturados e os apurados por meio de um dos critérios descritos nas alíneas abaixo, sem prejuízo do disposto nos arts. 73, 74 e 90:

a) aplicação do fator de correção determinado a partir da avaliação técnica do erro de medição causado pelo emprego dos procedimentos irregulares apurados;

b) na impossibilidade do emprego do critério anterior, identificação do maior valor de consumo de energia elétrica e/ou demanda de potência ativas e reativas excedentes, ocorridos em até 12 (doze) ciclos completos de medição normal imediatamente anteriores ao início da irregularidade; e 

c) no caso de inviabilidade de utilização de ambos os critérios, determinação dos consumos de energia elétrica e/ou das demandas de potência ativas e reativas excedentes por meio de estimativa, com base na carga instalada no momento da constatação da irregularidade, aplicando fatores de carga e de demandas obtidos a partir de outras unidades consumidoras em atividades similares.”

(...).” (grifamos)

 

Sendo assim, em virtude do tipo de irregularidade praticada, fica impossível aplicar-se um fator de correção determinado a partir dos procedimentos apurados, ficando afastada a alínea “a” supra.

 

Em vista ao histórico de consumos, o segundo critério para revisão do faturamento não se apresenta eficaz em sua aplicação ao caso em tela.

 

Firma-se então que a alínea “c” grifada acima torna-se adequada para avaliar-se a quantidade de energia elétrica de fato consumida, estabelecendo assim o valor da cobrança pela diferença do valor cobrado e do efetivamente – por meios ilícitos – consumido.

 

Veja-se que nada disso reflete cobrança ilegal ou abusiva. É preciso deixar claro que a exigência de pagamento de tais valores encontra respaldo na Resolução 456/2000, como se viu. A ré, em hipótese alguma, aplicou critérios por ela própria instituídos, quando então poder-se-ia cogitar a invalidade do método de recuperação de consumo. Ao proceder ao cálculo, a concessionária cumpriu fielmente o que dispõe a legislação específica, da qual não pode se afastar.

 

Denota-se, assim, que não houve nenhuma irregularidade nos procedimentos da demandada, que apenas aplicou as normas que vigem para o setor elétrico, não existindo a possibilidade de utilizar outro critério de cálculo de recuperação de consumo senão aqueles previstos pela legislação pertinente.

 

Saliente-se, ainda, que a concessionária não poderia ter agido de forma diversa. Afinal, em exercendo serviço público por meio de concessão, a$[geral_informacao_generica] atua sob a égide do princípio da legalidade (art. 37, caput, da Constituição Federal), da mesma forma que o faz a Administração Pública. Tanto é verdade que o art. 175 da Constituição determina a matéria necessariamente regulamentada por lei. 

 

“Art. 175: Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. 

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

III - política tarifária; 

IV - a obrigação de manter serviço adequado.”

 

Do dispositivo acima transcrito, conclui-se que a atividade da $[geral_informacao_generica] pauta-se na lei, sendo restrito o campo para sua atuação praeter legem. Isso condiz com o fato de que o

 

“Estado mantém (...) sempre e permanentemente, total disponibilidade sobre o serviço concedido. Daí se segue que o concessionário o desempenhará se, quando, como e enquanto conveniente ao interesse público.” 

 

Nessa perspectiva, foram promulgadas as Leis n.º 8.987/95 e 9.427/96, tendo essa criada a ANEEL e aquela regulamentado o art. 175 da Constituição. Veja-se o que dispõe o art. 2º da Lei 9.427/96:

 

“Art. 2º: A Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL tem por finalidade regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal.” (grifou-se)

 

Destarte, tem-se que à AES Sul cumpre o dever de aplicar as normas editadas pela ANEEL, o que inclui as determinações contidas na Resolução 456/00. E se deixasse de aplicar à autora o comando contido na Resolução referida, estaria violando o princípio da isonomia, que garante aos usuários tratamento igual:

 

“Art. 122. A concessionária deverá observar o princípio da isonomia em todas as decisões que lhe foram facultadas nesta Resolução, adotando procedimento único para toda a área de concessão outorgada.” 

 

De outra banda, se refira que é justamente em decorrência da constante preocupação de fiscalizar e realizar a manutenção dos equipamentos de sua propriedade que a requerida procedeu à fiscalização da unidade consumidora em comento. 

 

Como se pode perceber sob qualquer ângulo, a conduta da ora peticionária é irrepreensível. 

 

3.1 DA MULTA ADMNISTRATIVA

 

Prevê a ANEEL, no art. 73 da Resolução n° 456 de 29/11/2000, que se pode cobrar o custo administrativo adicional de 30% do valor líquido da fatura relativa à diferença entre os valores apurados e os efetivamente faturados.

 

Tal multa refere-se aos custos envolvidos em virtude da operação de corte de energia elétrica pela constatação de alguma irregularidade. No caso em análise, toda a perícia no medidos, bem como os custos com seu seguro armazenamento e transporte correram às custas da requerida.

 

Gravíssima injustiça se daria caso, além dos prejuízos pela não cobrança da energia de fato e ilicitamente consumida, tivesse também a ré que arcar com todos os custos para o levantamento de condutas ilícitas. Certamente haveria casos em que a multa aplicada não seria suficiente para pagar os prejuízos ocorridos, permanecendo a ré sem o ressarcimento em virtude da conduta ilícita de outrem.

 

Espanta a melhor doutrina a idéia de que devesse a ré suportar os gastos que teve em virtude da conduta contrária ao direito de outrem, sem que obtivesse o devido ressarcimento.

 

Mesmo não sendo aplicado ao caso – conforme acima demonstrado - nota-se que o art. 51 do CDC declara nula de pleno direito cláusulas excessivamente onerosas ou abusivas ao consumidor. Porém na hiposuficiência busca justamente o equilíbrio nas relações em que a priori há discrepância entre os contratantes, e se nas relações de consumo existe tal figura, no quadro que ora se apresenta é perfeitamente refutável.

 

A multa administrativa busca justamente equilibrar a relação distorcida por ato ilícito de um de seus contratantes, ou seja, busca corresponder os valores empreendidos pela requerida na verificação da conduta delituosa pela qual se beneficiou a autora.

 

Não há que se falar em abusividade na seara do que busca justamente afastar uma conduta abusiva – repisamos, o consumo de energia elétrica em descompasso com o efetivamente consumido, em virtude de conduta delituosa de outrem.

 

4. DA RESPONSABILIDADE DO TITULAR DA UNIDADE CONSUMIDORA PELO PAGAMENTO DA RECUPERAÇÃO DE CONSUMO

 

Sendo a existência da irregularidade fato comprovado, resta apurar a quem deve ser imputado o dever de responder pelo pagamento da diferença de consumo de energia, calculada a partir das disposições contidas na Resolução ANEEL 456/00. 

 

Com efeito, uma vez constatada a irregularidade na unidade consumidora, deve a responsável pela instalação arcar com os prejuízos sofridos pela concessionária, o que atende aos princípios da legalidade e moralidade administrativa, da isonomia e da vedação do enriquecimento sem causa. 

 

Os fundamentos jurídicos para isso são os seguintes:

 

1. O usuário do serviço é depositário dos equipamentos de medição, o que lhe impõe a responsabilidade de guarda e, via de conseqüência, o ressarcimento por irregularidades que venham a ser constatadas.

2. O uso de energia, sem o correspondente faturamento, implica vantagem injustificada ao usuário, o que é vedado em nosso ordenamento jurídico. 

 

Passa-se, então, à análise de cada um dos argumentos supra.

 

4.1 DA RESPONSABILIDADE DO USUÁRIO EM FACE DO INSTITUTO DO DEPÓSITO

 

O titular da unidade consumidora é o único responsável pela adequação técnica após o ponto de entrega, conforme determina o art. 102 da Resolução:

 

“Art. 102. É de responsabilidade do consumidor, após o ponto de entrega, manter a adequação técnica e a segurança das instalações internas da unidade consumidora.

Parágrafo único. As instalações internas que vierem a ficar em desacordo com as normas e/ou padrões a que se refere a alínea “a”, inciso I, art. 3º, e que ofereçam riscos à segurança de pessoas ou bens deverão ser reformadas ou substituídas pelo consumidor.”

 

Esclarece o art. 9º:

 

Art. 9º. O ponto de entrega de energia elétrica será a conexão do sistema elétrico do concessionário com as instalações de utilização de energia do consumidor, devendo situar-se no limite da via pública com o imóvel em que se localizar a unidade consumidora, (...)

 

E essa responsabilidade é fortalecida mormente quando se trata o usuário de verdadeiro depositário do equipamento de propriedade da concessionária:

 

Art. 105. O consumidor será responsável, na qualidade de depositário a título gratuito, pela custódia dos equipamentos de medição da concessionária quando instalados no interior da unidade consumidora, ou, se por solicitação formal do consumidor, os equipamentos forem instalados em área exterior da mesma. 

 

Referida espécie de depósito (voluntário) rege-se pelas regras do CCB:

 

“Art.629. O depositário é obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e a diligência que costuma como que lhe pertence, bem como a restituí-la, com todos os frutos e acrescidos, quando o  exija o depositante.”

 

“Art.630. Se o depósito se entregou fechado, colado, selado, ou lacrado, nesse mesmo estado se manterá; e, se for devassado, incorrerá o depositário na presunção de culpa.” 

 

Uma vez identificada a posição da autora como depositária, há que se ter presente seus deveres. Na lição de Maria Helena Diniz, o depositário “(...) terá obrigação de: a) guardar a coisa sob seu poder (...) d) manter a coisa no estado em que lhe foi entregue”.  

 

4.2 DA VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA

 

Não obstante a expressa previsão normativa de que o usuário deve responder pelo consumo não registrado em razão da irregularidade encontrada , ainda assim seria devido esse valor por força do princípio geral de direito que veda o enriquecimento sem causa. 

 

Importante notar que jamais foi imputado à demandante a autoria do procedimento irregular verificado. Porém, na condição de beneficiada pela energia que consumiu (sem a devida contraprestação) e depositária do equipamento de propriedade da concessionária, é ela a responsável pelo pagamento do consumo recuperado.  

 

Com efeito, havendo, de um lado, benefício econômico em favor da autora e, de outro, prejuízo da ré, nasce o direito de se cobrar o que é devido, sob pena de enriquecimento sem causa de uma das partes.

 

Assentado já o entendimento que não se admite a proteção do Judiciário ao usuário que, sem justa causa, tiver enriquecimento, note-se excelência, exatamente como “in casu”.

 

Um dos princípios básicos do direito privado moderno (com importantes reflexos no direito público) é efetivamente o princípio que comanda ao jurista evitar o enriquecimento sem causa. O princípio tem sido largamente aplicado pela jurisprudência e desde muito foi identificado pela doutrina como um fundamental ao direito privado . Nesse aspecto, veja-se a posição do jurista português Diogo Leite de Campos: 

 

“(...) este vastíssimo espectro do enriquecimento sem causa se estende por setores da vida econômica já regulados por normas jurídicas de caráter mais restrito. O princípio que proíbe o locupletamento injusto à custa de outrem é um dos mais gerais do sistema jurídico. O problema da compensação do locupletamento à custa alheia é um aspecto da noção de direito, entendido como ordem justa, uma das suas manifestações. Impedir o enriquecimento injusto constitui uma das finalidades gerais do Direito das Obrigações, que, no seu conjunto, tende a obter uma equilibrada distribuição dos bens jurídicos nas relações inter-sociais. Sendo assim, as deslocações patrimoniais encontram freqüentemente dois tipos de normas arrogando-se a sua tutela jurídica – as regras do enriquecimento sem causa e as de outro instituto (responsabilidade civil, gestão de negócio, mandato, nulidade etc.)” 

 

Veja-se também o expressamente disposto no art. 884 do novo Código Civil Brasileiro:

 

“Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.”

 

Cumpre citar também recente decisão de nosso Egrégio Tribunal de Justiça, em Apelação Cível de n° 70006971048, de relatoria do eminente Des. Irineu Mariani:

 

“De qualquer modo, não é decisivo, no processo cível, saber quem fez, mas quem tirou proveito daquilo que foi feito. Consoante já disse na ap. cív. 70 005 628 029, e repito, investigar quem foi o autor das artimanhas, não tem a menor importância, pois, na questão da responsabilidade civil, vige o princípio do proveito econômico. Não é relevante investigar quem praticou as fraudes, mas quem se beneficiou delas. E quanto a eventual proveito sem saber, óbvio que sem as ligações clandestinas lâmpada alguma acenderia. Não apenas o proveito é evidente, como evidente também é o pleno conhecimento. Dizer o contrário é fazer pouco caso da inteligência alheia.”

  

Daí que se conclui: se a demandante auferiu vantagem, deve ressarcir o prejuízo amargado pela ré e remover de seu patrimônio o enriquecimento havido sem causa justa.

 

Veja-se que esse enriquecimento se deu, na verdade, por meio de uma economia, ou seja, a requerente consumiu energia elétrica, sem pagar o devido valor correspondente. Nesse sentido, a lição de José Eduardo da Rocha Frota:

 

“E este enriquecimento pode resultar tanto da aquisição de um novo direito como do incremento de um do valor de um direito ou bem que já lhe pertencia (lucrum emergens), ou ainda de uma diminuição do passivo, como também pode ‘enriquecer-se negativamente’, e isto quando se evita uma diminuição patrimonial (damnum cessans); este enriquecimento negativo ‘dá-se quando se faz uma economia ou poupança, evitando-se uma despesa que doutro modo se realizaria.”  (grifou-se)

 

O que de fato deve estar claro é que o pagamento da recuperação de consumo é devido em razão da necessidade de ser retirado do patrimônio da autora enriquecimento havido sem justa causa. A questão analisada sob enfoque afasta a necessidade de averiguação quanto ao fato de a irregularidade ter sido ou não praticada pela autora. O que realmente importa é que auferiu vantagem à custa da AES Sul sem causa justificativa. Esses, pois, são os elementos do enriquecimento sem causa: (a) enriquecimento (b) à custa de outrem (c) sem justa causa.

 

Portanto, resta evidente a responsabilidade da autora pela irregularidade encontrada e seus conseqüentes danos. E não importa quem a tenha cometido, porque, se ocorreu, foi no mínimo por negligência da autora no sentido de não observar seu dever de guardiã pela coisa. Ademais, não há dúvidas de que ela foi beneficiada pela sua existência.

 

Vejam-se recentes decisões do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que confirmam o acima exposto:

 

 “PARAFISCAL. ENERGIA ELÉTRICA. FRAUDE NO SISTEMA DE OBTENÇÃO. LIGAÇÕES CLANDESTINAS. CÁLCULO DO CONSUMO APROXIMADO. PROVA ORAL. AGRAVO RETIDO.

1. Se, relativamente à prova oral, o juízo singular não defere compromisso por motivo não-justificável, mas o teor do depoimento, como informante, dá conta de que diz respeito a fatos incontroversos, desmerece acolhida agravo retido interposto contra aquela decisão. 

2. Uma vez constatada fraude no sistema de obtenção de energia elétrica, consistente em ligações clandestinas, (a) para fins de responsabilidade civil desimporta, face ao princípio do proveito econômico, investigar quem foi o autora das irregularidades, mas quem beneficiou-se; (b) é razoável, nas circunstâncias, o cálculo do débito baseado no consumo aproximado, conforme estabelecido no art. 72 da Resolução 456/2000, da ANEEL; (c) é inadmissível a declaração de inexistência de qualquer débito pelo fato de ser administrativo ou por eventualmente não ser exato, sob pena de estimular-se a prática de mais fraudes e premiar-se o beneficiário delas, algo inconcebível sob o ponto de vista moral e ético.

3. Desprovimento do agravo retido, e provimento da apelação.” (Apelação Cível nº 70005628029, Primeira Câmara Cível do TJRS, Rel. Des. Irineu Mariani, julgado em 04/06/2003)” (Grifou-se)

 

“APELAÇÃO CÍVEL. ANULATÓRIA DE DÉBITO. CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA. IRREGULARIDADES NO MEDIDOR. DESVIO FRAUDULENTO DE ENERGIA. CÁLCULOS DO VALOR DEVIDO. Comprovada a irregularidade no medidor, que, por isso, registrava consumo menor do que o real, cumpre a quem se beneficia da fraude o respectivo ressarcimento, ainda mais não afastada a autoria. Impugnação inespecífica a planilhas de calculo que esclarecem a metodologia e critérios usados. Negaram provimento. 

(Apelação Cível nº 70004969309, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alexandre Mussoi Moreira, julgado em 11/03/2003)” (grifou-se)

 

5. DOS ALEGADOS DANOS MORAIS

 

A autora postula, ainda, indenização por dano moral, sem estabelecer em suas razões os motivos reais em que embasa seu pedido.

 

Lembramos que o fato dela estar ter seu fornecimento de energia elétrica tem por base sua própria conduta, estando somente arcando por atos que lhe propiciaram indevida vantagem.

 

Além do mais, não pode prosperar tal pleito indenizatório, tendo em vista que, como já referido, não se configura a ocorrência de dano moral, já que o corte de energia elétrica é medida assegurada à concessionária, ou seja, constitui-se em exercício regular de direito, mormente nos casos de inadimplência.

 

Tratando-se, pois, de exercício regular de direito, inexiste dano moral, conforme entendimento assente da doutrina, retratado no escólio de Sérgio Cavalieri Filho:

 

“Pelas mesmas razões, não gravitam na órbita do dano moral aquelas situações que, não obstante desagradáveis, são necessárias ao regular exercício de certas atividades, como, por exemplo, a revista de passageiros nos aeroportos, o exame das malas e bagagens na alfândega, o protesto de título por falta de pagamento, …

Fiscalização

FORNECIMENTO DE ENERGIA

Modelo de Contestação

Corte