Petição
EXMO. SENHOR DOUTOR JUIZDE DIREITO DA $[processo_vara] VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL DO $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
Autos n. $[processo_numero_cnj]
$[parte_autor_nome_completo], já qualificado nos autos em epígrafe que lhe move a Justiça Pública, por sua advogada, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, apresentar:
ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAIS
com fundamento no art. 404, parágrafo único, do Código de Processo Penal, pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas.
I – DOS FATOS
A autoria e a materialidade do delito foram demonstradas pelos depoimentos colhidos em sede judicial e distrital, pelo Auto de Apreensão do veículo (índice 04), do Registro de Ocorrência n.º $[geral_informacao_generica] (índice 8) e de cópia do RO n.º $[geral_informacao_generica](índice 06), e pelas próprias circunstâncias da prisão em flagrante.
Ato contínuo, o Ministério Público apresentou Denúncia em desfavor do Acusado (seq.), imputando-lhe o delito tipificado no art. 180, caput.
Denúncia recebida pelo Juízo ao evento,
Ao evento, a ilustre Doutora apresentou Resposta à Acusação, pleiteando pela manifestação de mérito somente em sede de Alegações Finais, deixando de arguir preliminares.
Realizada a oitiva de testemunhas aos eventos $[geral_informacao_generica], e $[geral_informacao_generica]. Oitiva do ofendido ao evento $[geral_informacao_generica]. Por fim, realizado o interrogatório do Acusado, conforme contido ao evento .
As partes dispensaram a necessidade de diligências decorrentes da fase instrutória (seqs.).
Ao evento , a ilustre representante do Ministério Público apresentou alegações finais, na forma de memoriais, pugnando, em síntese, pela: (i) procedência da ação penal para o fim de condenar o Acusado na sanção prevista no art. 180, caput, do Código Penal; (ii) fixação da pena base acima do mínimo legal; (iii) inocorrência de circunstâncias agravantes e atenuantes, bem como de causas de aumento e diminuição de pena; (iv) cumprimento inicial da pena em regime aberto; (v) substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos; (vi) a fixação da pena de multa no patamar mínimo.
Intimado o defensor do Acusado para a apresentação de suas Alegações Finais.
São os fatos em sua brevidade necessária.
II – DO DIREITO
Trata-se de Ação Penal na qual o Ministério Público pugna pela condenação do Acusado pela prática do delito tipificado no caput do art. 180 do Código Penal, qual seja:
Receptação
Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Em que pese o labor despendido pela ilustre representante ministerial, da análise detida dos autos verifica-se que suas alegações não merecem prosperar, conforme será demonstrado.
Ademais, não havendo preliminares a serem arguidas, passa-se diretamente à discussão do meritum causae.
II.1 – Da desclassificação do delito para a modalidade culposa – art. 180, § 3º, do Código Penal
Narra o Ministério Público, em suas Alegações Finais, que o Acusado tinha plena ciência da origem ilícita do automóvel (seq.), sendo, portanto, devida a prolação do decreto condenatório pela prática do crime de receptação, nos termos do art. 180, caput, do Código Penal.
No entanto, a alegação formulada pela ilustre representante ministerial, com a máxima vênia, não merece prosperar, porquanto se origina em interpretação equivocada dos fatos e das provas colhidas no feito.
Ao ser indagado da origem do veículo, o Acusado foi categórico ao afirmar que desconhecia sua proveniência ilícita (seq.): e que costumada pegar o mesmo emprestado com um amigo, que o carro não seria dele, e que os relógios por ser camelo ele comprava no camelo da pavuna pra poder revender.
Pelo exposto, a discussão sobre o dolo do agente no momento da prática da conduta merece espaço neste momento processual.
Da leitura da primeira parte do caput do art. 180, pratica receptação aquele que adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime.
A lição de Cezar Roberto Bittencourt é clara acerca da presença do vernáculo “sabe” no artigo supracitado:
(...) a elementar “sabe’ que é produto de crime” significa ter consciência da origem ilícita do que está comprando, isto é, ter consciência da ilicitude da conduta (elemento da culpabilidade normativa), e a elementar “deve saber, por sua vez, significa a possibilidade de ter essa consciência da ilicitude.[1]
Verifica-se, portanto, que para ser caracterizado o crime de receptação o agente deve praticar o ato tendo plena e clara consciência de que o bem que adquire tem origem ilícita.
Assevere-se que o posicionamento de Cezar Roberto Bittencourt não é isolado na doutrina.
Rogério Sanches Cunha assim se manifesta sobre o tema:
O caput é punido a título de dolo, devendo o agente ter certeza acerca da origem criminosa da coisa (dolo direto). A dúvida, dependendo das circunstâncias, poderá configurar a receptação culposa, prevista no § 3º.[2] (sem destaque no original)
Júlio Fabbrini Mirabete, por sua vez, entende que:
O dolo do crime de receptação própria é a vontade de adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar a coisa produto de crime. Não basta, pois, a dúvida quanto à origem da coisa, própria do dolo eventual, o que caracteriza, nos termos legais, a receptação culposa. A ciência após a aquisição ou recebimento da coisa não caracteriza o crime; o dolo deve ser contemporâneo à conduta.[3] (sem destaque no original)
Por fim, é a lição esclarecedora de Cleber Masson:
A receptação própria exige o dolo direto. Não há espaço para o dolo eventual, pois, como consta do art. 180, caput, 1ª parte, do Código Penal, o agente realiza a conduta no tocante à coisa que sabe ser produto de crime. Logo, é imprescindível a certeza do agente em relação à origem criminosa do bem.
Consequentemente, se o sujeito limita-se a desconfiar da origem criminosa da coisa, sem ter certeza sobre tal circunstância, e mesmo na dúvida a adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta, a ele deverá ser imputado o delito de receptação culposa (CP, art. 180, § 3º), pois a receptação própria é incompatível com o dolo eventual.
[...] Mas a receptação culposa, em que pese tratar-se, como seu próprio nome revela, de um crime culposo, está contida em um tipo penal fechado. O legislador, no art. 180, § 3º, do Código Penal, aponta expressamente as formas pelas quais a culpa pode se manifestar, pois especifica as circunstâncias indicativas da previsibilidade a respeito da origem da coisa:
(a) Natureza ou desproporção entre o valor e o preço da coisa adquirida ou recebida pelo agente;
(b) Condição de quem a oferece; e
(c) No caso de se tratar de coisa que deve presumir-se obtida por meio criminoso.
[...] Por último, insta recordar que, em decorrência de a receptação dolosa própria (CP, art. 180, caput, 1º parte) admitir como elemento subjetivo somente o dolo direto, amolda-se na receptação culposa o ato de adquirir ou receber, fora de atividade comercial ou industrial, coisa que o agente deve saber tratar-se de produto de crime.
Essa assertiva se justifica por um motivo muito simples: se o caput pune apenas quem tem dolo direto, isto é, quem ‘sabe’ a origem criminosa do bem, a conduta movida pelo dolo eventual recebe o mesmo tratamento jurídico-penal dispensado à culpa. Assim já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal, em clássica decisão acerca do assunto: ‘Ausente o juízo de certeza quanto a ser a coisa produto de crime, e substituído pela presunção, ou dúvida quanto à sua origem, descaracteriza-se a receptação de dolosa para culposa [...]’.[4] (sem destaques no original)
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça caminha no mesmo sentido que a doutrina, uma vez que “para a configuração do delito de receptação, exige-se apenas que o objeto material do delito seja produto de crime e que isso seja de ciência do agente” (RHC 37.548/ES, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em 03/04/2014) (sem destaque no original).
Veja-se, portanto, Excelência, que em nenhum momento da instrução processual ficou claro que o Acusado tinha conhecimento inequívoco de que o bem tinha origem ilícita.
Conforme transcrito anteriormente, o Acusado não tinha certeza de que o veículo tinha origem ilícita, tanto que so soube da origem ilícita do mesmo em delegacia.
Das lições doutrinárias ora colacionadas, verifica-se que a mera suspeita não configura justo motivo para a prolação do decreto condenatório nos termos do art. 180, caput, do Código Penal.
Sendo este o caso dos autos, é admissível a desclassificação do delito para sua modalidade culposa, nos termos do art. 180, § 3º, do Código Penal:
§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve …