Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CRIMINAL DA COMARA DE CIDADE - UF
Inquérito Policial de nº Número do Processo
Nome Completo, qualificado no inquérito em epígrafe, que lhe move a Justiça Pública, vem, por intermédio de seu advogado que abaixo subscreve, mui respeitosamente à presença de Vossa Excelência opor
Embargos Declaratórios
em face de r. decisão proferida às fls.117/118, no intuito de esclarecer a motivação adotada para a manutenção de medida tão extrema, específicos os requisitos autorizadores do art. 312 do CPP, pelas razões de fato, análise de depoimentos e demais provas produzidas:
1. PREÂMBULO
Preclaro Magistrado, com a devida vênia, o indiciado ousa discordar da r. decisão proferida. Por sua vez, argui, defende e postula o seu direito à liberdade recolhido ao cárcere, onde se encontra ciente de que não está submetido à autoridade de outrem senão por força da lei e por ela reivindica.
Em síntese, o postulante foi preso em flagrante no dia 16/10/2019, acusado de ter praticado o crime de tráfico previsto no artigo 33, caput, da Lei 11.343/2006. Foi indiciado pela autoridade policial, conforme auto de prisão em flagrante, e, ato contínuo, em audiência de custódia, teve prisão preventiva decretada. Posteriormente, na r. decisão de fls. 117/118 o d. juiz natural confirmou a prisão processual.
Ousa o peticionário discordar a partir de uma perspectiva direta e objetiva. A compreensão da realidade do todo só começa a fazer sentindo ao serem lidos e agrupados sob outra ótica os documentos e fatos descritos na r. decisão.
Deveras, entende a Defesa, valendo-se de como ensinava o grande João Monteiro, que a análise de um processo é “uma indução lógica, é um meio com o que se estabelece a existência positiva ou negativa do fato probando, e é a própria certeza dessa existência”.
A prisão preventiva assentou-se com base em indícios repletos de incertezas, insuficientes para se assegurar autoria delitiva de tráfico e em presunção subjetiva de garantia da ordem pública.
Ora, desde Aristóteles, a Filosofia Ocidental estuda a Justiça como virtude soberanamente necessária à vida humana. Ela é um esteio da moral e se organiza prioritariamente com o objetivo de proteger e manter a vida –finalidade que representa apenas um meio para a realização do fim superior promover o viver bem de homens bons, amigos e justo, o que comunidades professam como essencial a conformação social do sujeito engajado e imerso nas diversas configurações do viver comum.
Em síntese, são estes os aspectos do homem que por natureza diante das diferentes formas da convivência compartilha virtudes ético-morais e autossuficiência dos indivíduos que, articulados, atualizam a dimensão do viver junto numa forma de sociabilidade comunitária, mediante um relacionamento conveniente a esse viver com base na Justiça e sobretudo na amizade, a qual, por isso mesmo, constituem virtudes éticas e morais.
A autossuficiência dos indivíduos discute a questão se o bem supremo que o indivíduo deve realizar é o mesmo para todos, observando que "temos que nos pôr de acordo sobre o modo de vida o mais digno de ser escolhido para todos por assim dizer e, depois, ver se este modo de vida é o mesmo para a comunidade e para o indivíduo tomado isoladamente, ou se ele é diferente."
Ou seja, trata-se de saber em que consiste para todos uma vida que se apresenta como a mais predileta, para avaliar se aquela que o indivíduo escolhe para si coincide ou não com a vida que ele leva na comunidade.
"Vê-se, assim, claramente que a vida mais perfeita deve necessariamente ser a mesma, tanto para cada indivíduo em particular como para os Estados e os homens tomados coletivamente"
Se é plausível sustentar a tese de que a felicidade do indivíduo e da comunidade não se opõem, é porque para ambos a autossuficiência é fundamental, tanto para a consecução dos fins comunitários como dos fins individuais.
A convergência ou o paralelismo entre ser livre e ser cidadão é evidente pois "a comunidade é um grupamento de homens livres".
Isso porque, o homem não só tem em si mesmo a finalidade do seu agir, como também, na condição de cidadão, não está submetido ao domínio de outrem, nem a constrangimentos ou impedimentos externos que impedem o exercício de uma vida livre, feliz e virtuosa.
Se a felicidade do homem inclui a noção de realização de fins no cumprimento de sua natureza, então, esse fim inclui a dimensão da autossuficiência, e o seu pleno desenvolvimento comunitariamente compartilhado, em consonância com a autarquia da comunidade. Nessa medida, não constitui uma exorbitância ética e política afirmar que a felicidade da comunidade e a do indivíduo podem coincidir, e que a melhor constituição é aquela que assegura aos cidadãos a melhor vida com base no critério da autossuficiência para os indivíduos e da medida maior da autarquia para a comunidade.
Mais do que instrumento para a proteção dos indivíduos pela mediação do Estado que detém a autoridade e que pune os crimes, a comunidade é uma força moral para a consecução de uma vida feliz, uma vez que "a comunidade não é um simples grupamento de pessoas em um determinado lugar, estabelecido com vistas a impedir as injustiças recíprocas e favorecer as trocas".
2. PRELIMINAR – ILICITUDE DO FLAGRANTE
A busca sem mandado judicial implica ilicitude no flagrante que resultou na instauração de persecução criminal. “Ninguém pode ser investigado ou denunciado, processado, e muito menos condenado, com base em provas ilícitas”, concluiu o Ministro Ricardo Lewandowski, quando o STF, no fim de 2015, aprovou no Habeas Corpus 138.565 com repercussão geral que policial só pode entrar na casa de alguém se tiver mandado judicial de busca e apreensão.
Por não enxergar esses requisitos, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus para trancar ação penal contra um homem que teve sua residência em Americana (SP) vasculhada por policiais civis sem ordem da Justiça.
Em julho de 2016, policiais civis que executavam operação contra o tráfico em Americana (SP) abordaram o acusado e, na sequência, sem mandado judicial, fizeram busca na sua residência, e que encontraram a droga.
Preso em flagrante, o acusado da prática de tráfico de drogas permaneceu até obter liminar do relator do caso no STF, ministro Ricardo Lewandowski, que determinou a sua soltura.
O ministro Ricardo Lewandowski lembrou que um dos princípios mais sagrados da Constituição Federal (artigo 5º, inciso XI) estabelece a casa como asilo inviolável do cidadão. Em casos como esse, salientou, os policiais costumam dizer que foram “convidados” a entrar na casa. “Evidentemente que ninguém vai convidar a polícia a penetrar numa casa para que ela seja vasculhada”, afirmou.
3. RAZÕES DO RECURSO
São inadimissíveis para a manutenção da prisão preventiva de Nome os pressupostos que invocam veracidade a partir:
(3. 1) Da afirmação de que a busca domiciliar foi legítima. Alegação que é inconsistente conforme o direito, diante da ausência de justa causa para violação do domicilio. Tem-se que sem ficar demonstrada a justa causa, a entrada onde reside Nome foi forçada, posto que a autoridade policial alega que:
(3.1. 1) se tratava de averiguação de denúncia anônima acerca da ocorrência de tráfico naquele local;
(3.1. 2) houve prévia investigação, monitoramento ou campanas na região que identificaram atitudes suspeitas, sem demonstrar quais os atos concretos na movimentação das pessoas levaram a concluir que se dedicavam a comercialização de drogas.
Uma “fundada suspeita” não se desincumbe de ser demonstrada e precisa amparar-se em elementos objetivos, afastando nuances subjetivas. Inadmissível a prova derivada de conduta ilícita – no caso, a apreensão de 5,6 kg de maconha no interior da residência do embargante –, pois evidente o nexo causal entre uma e outra conduta, ou seja, a invasão de domicílio (permeada de ilicitude) e a apreensão de drogas, ou seja, o aleatório subsequente, fruto do ilícito, conduzindo à licitude das provas produzidas pela invasão ilegítima. O fato de nos crimes como o tráfico de drogas, o estado de flagrância se protrair no tempo não significa concluir que a vaga suspeita de prática desse delito legitima a mitigação do direito à inviolabilidade de domicílio. O resultado posterior ao ingresso forçado em um domicílio não legitima a prática .
Seriam necessários elementos concretos a caracterizar fundadas razões (justa causa), conceito determinado. Sem eficácia probatória, portanto, a prova obtida ilicitamente é violação de norma constitucional e se torna imprestável para legitimar todos os atos produzidos posteriormente. A essência da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada consagrada no art. 5º, LVI, da nossa Constituição da República, repudia as provas supostamente lícitas e admissíveis, obtidas a partir de outra contaminada por ilicitude original.
Por conseguinte, Também merece destaque a compreensão de que a afirmação feita pelo acusado em seu interrogatório que mesmo sob domínio de intensa pressão não reconheceu como sua a droga no imóvel
Não se invade casa sem haver uma causa legítima. A busca e apreensão domiciliar é uma medida invasiva que necessita de controle para garantir respeito à privacidade. Embora o presente caso aparentemente se trate da exceção do “flagrante delito”, a interpretação que adota o Supremo Tribunal Federal no momento é a de que, se dentro da casa estiver ocorrendo um crime permanente, é viável o ingresso forçado pelas forças policiais, independentemente de determinação judicial (RHC 91.189, Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, julgado em 9.3.2010; RHC 117.159, Relator Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 5.11.2013; RHC 121.419, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 2.9.2014). No mesmo sentido, é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça – RHC 40.796, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 8.5.2014; AgRg no AREsp 417.637, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 9.12.2014. Para se chegar a essa conclusão, segue-se uma linha de raciocínio simples. Por definição, nos crimes permanentes, há um intervalo entre a consumação e o exaurimento. Nesse intervalo, o crime está em curso. Assim, se dentro do local protegido o crime permanente está ocorrendo, o perpetrador estará cometendo o delito. Assim, por exemplo, no crime de tráfico de drogas – art. 33 da Lei 11.343/06 –, estando a droga depositada em uma determinada casa, o morador está em situação de flagrante delito, sendo passível de prisão em flagrante. Um policial poderia ingressar na residência, sem autorização judicial, e realizar a prisão. Essa interpretação, a despeito de tradicional em nosso direito, é insatisfatória. Do policial que realiza a busca sem mandado judicial não se exige certeza quanto ao sucesso da medida. O próprio pretenso traficante não reconhece ser sua a posse dos quilos de maconha. A legislação costuma exigir modelos probatórios para medidas de exceção e por estar a certeza fora do alcance, se acolher como prova o que resultado da busca no domicílio, aniquila a constitucional garantia da inviolabilidade. Alegações por parte de policiais de que tinham informação de que ali havia um crime em andamento não afasta a inviolabilidade domiciliar. A garantia da inviolabilidade da casa faz com que o resultado positivo da busca não justifique a sua realização. O fundamental é que o critério para a decisão de realizar a entrada forçada foi arbitrário. A proteção contra a busca arbitrária exige que a diligência seja avaliada com base no que se sabia antes de sua realização, não depois. Exigent circumstances –, assim consideradas “as circunstâncias que levariam uma pessoa razoável a crer que a entrada era necessária para prevenir o dano aos policiais ou outras pessoas, a destruição de provas relevantes, a fuga de um suspeito, ou alguma outra consequência que frustre indevidamente esforços legítimos de aplicação da lei” – nos termos em que a medida busca e apreensão domiciliar invasiva ocorreu não estavam presentes os pressupostos conforme o direito. Pelo entendimento atualmente aceito na jurisprudência, se a situação de flagrante se confirma, qualquer controle subsequente à medida é dispensado. Mediante denúncia anônima, tivessem a informação de que a droga estivesse naquela casa não poderiam pedir mandado judicial, porque ninguém se responsabilizou validamente pela declaração – art. 5º, IV, CF. No entanto, poderá forçar a entrada na casa e fazer a prisão em flagrante. Se, eventualmente, vier a ser indagado, poderá pretextar que soube da localização da droga por informações de inteligência policial. De qualquer forma, a solidez das informações que levaram ao ingresso forçado não é analisada. Já afirmamos que essa solução é menos insatisfatória. Em consequência, resta fortalecer o controle a posteriori, exigindo dos policiais a demonstração de que a medida foi adotada mediante justa causa. Ou seja, que havia elementos para caracterizar a suspeita de que uma situação que autoriza o ingresso forçado em domicílio estava presente. O modelo probatório é o mesmo da busca e apreensão domiciliar – fundadas razões, art. 240, §1º, do CPP. Trata-se de exigência modesta, compatível com a fase de obtenção de provas. É amplo o leque de elementos que podem ser utilizados para satisfazer o requisito. O policial pode invocar o próprio testemunho para justificar a medida. Claro que o ingresso forçado baseado em fatos presenciados pelo próprio policial que realiza a busca coloca o agente público em uma posição de grande poder e, por isso mesmo, deve merecer especial escrutínioO fundamental é que se passa a ter a possibilidade de contestação de uma medida de busca e apreensão que deu resultados. Assegura-se à defesa a oportunidade de impugnar, em um processo contraditório, a existência e suficiência das razões para a medida. Ou seja, a validade da busca é testada com base no que se sabia antes de sua realização, não depois. A mudança cria espaço para formação de jurisprudência acerca dos limites da atuação policial, possibilitando o desenvolvimento e a concretização da garantia, a partir da avaliação jurisprudencial dos casos Acredito relevante a sinalização de limites à atividade policial, mas também a ressalva de atividades que sejam legítimas, inclusive, aquelas que exijam sigilo. O eminente Relator deu dois exemplos que acredito serem relevantes: dentre eles, as situações das chamadas ações controladas, do art. 3º da Lei nº 12.850, de 2013, nas quais o sigilo é um elemento fundante da potencial eficiência ou eficácia da atividade policial, que também visa, em última ratio , à segurança e à garantia dos direitos da própria cidadania da sociedade, de um modo geral. O outro elemento exemplificador é a questão atinente ao chamado "disque-denúncia". Como se sabe, a vedação constitucional do inciso IV do art. 5º do anonimato não permite, evidentemente, que se dê, a essa denúncia anônima, fonte primária, mas, ao mesmo tempo, seja ela motivo de verificação e de aferição de eventual verossimilhança. Por essas razões, Senhor Presidente, nesse voto que vou juntar - e por esses exemplos -, eu estou acompanhando Sua Excelência o eminente Relator e o faço integralmente pelo substancioso voto proferido. Ressalto a importância desta Corte ter pautado este tema, especialmente nesta quadra que vive a sociedade brasileira, sinalizando, à luz da tese que aqui será aprovada, de modo inequívoco, que não compactua com arbitrariedade, mas, ao mesmo tempo, exige o espaço para a atividade policial legítima e que os policiais também prestem contas a posteriori das chamadas, e corretamente chamadas, fundadas razões para o flagrante, que, na hipótese do caso concreto, o ter em depósito, na condição de crime permanente, funda o flagrante que justifica a afirmação da tese Por certo que, a vedação ao anonimato (art. 5º, IV, da CF) de acordo com a jurisprudência desta Corte, não se permite que as denominadas “denúncias anônimas” se prestem a, como fonte primária de prova , fundar restrição a direitos fundamentais. Entretanto, permite que, a partir delas, se faça uma averiguação para aferir verosimilhança e, a partir daí, se iniciem procedimentos restritivos. Na linha da jurisprudência desta Suprema Corte, também entendo que uma informação obtida por fonte anônima, desde que averiguada pelos agentes policiais – frise-se -, pode validamente fundar o ingresso em residência alheia onde se constata o flagrante delito. Ainda, tenho em mente hipóteses de “ações controladas”, meios sigilosos de obtenção de prova previstos no art. 3º da Lei nº 12.850/2013, mediante os quais, por autorização judicial, a ação policial pode ser retardada quanto a alguns integrantes de organizações criminosas, para que se concretize em momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações. Em tais situações, não raro, o agente policial de posse de informação ainda sob sigilo (art. 8º, § 3º, da Lei 12.850/2013) prende em flagrante determinados integrantes de uma dada organização criminosa e mantém sob sigilo a origem da informação sobre o estado de flagrância, até que “ o momento mais eficaz à formação de provas” quanto aos demais integrantes se faça presente. Só então é que a origem das informações se tornam públicas e o agente policial está dispensado do sigilo. Esses dois exemplos, já …