Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CRIMINAL DA COMARCA DE CIDADE - UF
Processo nº Número do Processo
Nome Completo, já qualificado nos autos da ação penal mencionados em epígrafe, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por intermédio de seu advogado in fine assinado, apresentar
ALEGAÇÕES FINAIS
com fulcro no art. 403, §3º, do Código de Processo Penal, pelos fundamentos fáticos e jurídicos a seguir delineados.
I. SÍNTESE DA ACUSAÇÃO E DO PROCESSO
O Representante do Parquet Estadual ofereceu denúncia em desfavor de Nome Completo, atribuindo-lhe a prática dos crimes capitulada no art. 302, do Código de Trânsito Brasileiro, nas circunstâncias descritas na inicial acusatória de fls. 35/37.
Denúncia recebida - fls. 38 – (25/07/2011).
Citação do denunciado – fls.39.
Defesa Inicial Escrita – fls. 40/46.
Audiência de Instrução – onde foram ouvidas 06 testemunhas e realizado o interrogatório – fls. 62/67 e 92/94.
Memoriais apresentados pelo Ministério Público, pugnando pela procedência in totum da denúncia – fls. 97/98v.
Vieram os autos com vista a este Órgão Defensorial.
Preliminarmente, não se constatou ilegalidade viciante do processo.
Antes de mais nada, externa seus sentimentos pela vítima, Informação Omitida, à sua família, visto que uma tragédia desta magnitude, abrupta e prematura não pode passar desapercebida. Todavia, cabe também salientar que a sede por Justiça não pode se confundir com justiçamento, ou condenação a todo custo, pois acidentes e fatalidades são diferentes de crimes, como se argumentará adiante.
II. NO MÉRITO
Inicialmente cabe destacar os pontos incontroversos extraídos dos depoimentos testemunhais e interrogatório do réu prestados na fase policial e na instrução processual:
a) A vítima faleceu em decorrência de “acidente automobilístico”, conforme perícia tanatoscópica de fls. 08;
b) A vítima caiu de um caminhão em movimento, quando a porta abriu em decorrência de trepidação causada por passagem no veículo por um sonorizador, tendo a própria vítima tentado fechá-la novamente;
c) O piloto do caminhão é o acusado que também é tio da vítima;
d) Nome Completo possuía carteira nacional de habilitação adequada ao veículo em comento (caminhão) – fls. 54.
e) Era costume a vítima andar no caminhão com o seu tio.
f) O veículo estava em bom estado de conservação e era de propriedade do avô da vítima, sogro do réu.
g) O automóvel estava em velocidade baixa quando do acidente.
h) O acusado foi o primeiro a prestar socorro, o que fez de forma imediata.
i) O acusado ficou demasiadamente abalado com os fatos que acarretaram a morte de seu sobrinho.
Por outro lado, diante dos depoimentos prestados em fase policial e judicial, paira apenas uma dúvida, se o cinto de segurança da vítima estava mesmo travado.
A. DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Vige no seio jurídico-social a regra constitucional da presunção de inocência ou não culpa - Constituição Federal, Art. 5º, LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
A partir dessa garantia constitucional, elege-se um órgão como o responsável pela persecução criminal em juízo, um órgão para julgamento e um órgão de defesa, todos atuando na formação da justiça e dirigidos por regras processuais que preservam os direitos e garantias individuais do acusado e de todos no meio social.
A instrução processual deve ser pautada sob os ditames legais e constitucionais vigentes, tais como os prescritos no Código de Processo Penal e na Carta Maior, para que a convicção do julgador seja formada a partir de meios lícitos de produção de provas.
Art. 155, CPP. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.
Dessa maneira, o ordenamento jurídico limita a convicção do julgador, não podendo a sentença ter por base apenas provas colhidas na fase inquisitorial.
B. DA ATIPICIDADE – TEORIA DA IMPUTAÇÃO OBJETIVA
Nem todos os fatos, por mais tristes e desoladores que sejam, são delitos. No presente caso, faz-se imperiosa a análise da teoria da imputação objetiva, aquela que visa a análise de aspecto objetivos, muito antes da averiguação do dolo ou culpa, para que se fixe ou não uma relação de causalidade entre a conduta do réu e o resultado morte da vítima.
Segundo a doutrina pátria:
“Com o surgimento da teoria da imputação objetiva, a preocupação não é, à primeira vista, saber se o agente atuou efetivamente com dolo ou culpa no caso concreto. O problema se coloca antes dessa aferição, ou seja, se o resultado previsto na parte objetiva do tipo pode ou não ser imputado ao agente. O estudo da imputação objetiva, dentro do tipo penal complexo, acontece antes mesmo da análise dos seus elementos subjetivos (dolo e culpa), pois, segundo Roxin, ‘a tarefa primária da imputação ao tipo objetivo é fornecer as circunstâncias que fazem de uma causação (como o limite máximo da possível imputação) uma ação típica, ou seja, que transformam, por exemplo, a causação de uma morte em um homicídio; se uma tal ação de matar também deve ser imputada ao tipo subjetivo, considerando-se dolosa, isto será examinado mais adiante’” [Rogério Greco – Curso de Direito Penal, Parte Geral, 13ª Ed., 2011]
A doutrina, ainda, cria elementos para a implementação do nexo causal, ou melhor, nexo normativo, segundo os ditames da teoria da imputação objetiva, dentre eles o risco permitido.
“Como dissemos, o homem é um ser social. Portanto, vive em sociedade. E não existe uma sociedade em que não haja qualquer risco. Pelo contrário. Muitas vezes os riscos são necessários a fim de impulsionar-lhes o progresso [...] A vertente do risco permitido, anunciado por Jakobs, diz respeito aos contatos sociais que, embora perigosos sob certo aspecto, são necessários e mesmo assimilados pela sociedade. Segundo Jakobs, ‘posto que uma sociedade sem riscos não é possível e que ninguém se propõe seriamente a renunciar à sociedade, uma garantia normativa que implique a total ausência de riscos não é factível; pelo contrário, o risco inerente à configuração social deve ser irremediavelmente tolerada como risco permitido” [Rogério Greco – Curso de Direito Penal, Parte Geral, 13ª Ed., 2011]
O risco proibido é aquele não tolerado pela sociedade, por outro lado o risco permitido é aquele que já integrou a sociedade, como costumeiro e para o próprio desenvolvimento social.
No caso, percebe-se que o simples passeio de carro entre um tio e um sobrinho é prática costumeira e prova incólume da demonstração de companheirismo e afeto familiar.
Na mesma toada, não se provou um risco proibido na conduta do réu, tendo todas as circunstâncias causais fugido do âmbito da normalidade, tanto o é que há provas incontestáveis de que era costume o sobrinho e o tio andarem no caminhão, sem qualquer problema pretérito registrado.
O Superior Tribunal de Justiça já aplicou a presente teoria em caso de imputação de homicídio:
“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO CULPOSO. MORTE POR AFOGAMENTO NA PISCINA. COMISSÃO DE FORMATURA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. ACUSAÇÃO GENÉRICA. AUSÊNCIA DE PREVISIBILIDADE, DE NEXO DE CAUSALIDADE E DA CRIAÇÃO DE UM RISCO NÃO PERMITIDO. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ORDEM CONCEDIDA.
1. [...] 2. [...]
3. Por outro lado, narrando a denúncia que a vítima afogou-se em virtude da ingestão de substâncias psicotrópicas, o que caracteriza uma autocolocação em risco, excludente da responsabilidade criminal, ausente o nexo causal.
4. Ainda que se admita a existência de relação de causalidade entre a conduta dos acusados e a morte da vítima, à luz da teoria da imputação objetiva, necessária é a demonstração da criação pelos agentes de uma situação de risco não permitido, não-ocorrente, na hipótese, porquanto é inviável exigir de uma Comissão de Formatura um rigor na fiscalização das substâncias ingeridas por todos os participantes de uma festa.
5. Associada à teoria da imputação objetiva, sustenta a doutrina que vigora o princípio da confiança, as pessoas se comportarão em conformidade com o direito, o que não ocorreu in casu, pois a vítima veio a afogar-se, segundo a denúncia, em virtude de ter ingerido substâncias psicotrópicas, comportando-se, portanto, de forma contrária aos padrões esperados, afastando, assim, a responsabilidade dos pacientes, diante da inexistência de previsibilidade do resultado, acarretando a atipicidade da conduta.
6. Ordem concedida para trancar a ação penal, por atipicidade da conduta, em razão da ausência de previsibilidade, de nexo de causalidade e de criação de um risco não permitido, em relação a todos os denunciados, por força do disposto no art. 580 do Código de Processo Penal. STJ (STJ, HC 46.525-MT, Quinta Turma, rel. Min. Arnaldo Esteves, j. 20.03.06),
Assim, como foi no julgado acima, não se pode desprezar a conduta da vítima, pois, apesar de sua tenra idade, o ato de tentar fechar a porta, quando por acidente aberta, demonstrou imprudência longe do alcance do cuidado de seu tio que dirigia o carro atento e “tendo visto apenas um vulto tentando fechar a porta, porém, em seguida viu que estava sozinho” (fls. 67).
Além disso, por todas informações que foram colhidas nos autos, destacadas nos fatos incontroversos, e pela viabilidade da aplicação da teoria da imputação objetiva, restou patente a ausência de criação de risco proibido pelo réu, pelo contrário, o costume e a prát…