Direito Civil

Atualizado 14/03/2024

Marco Civil da Internet

Carlos Stoever

6 min. de leitura

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O marco civil da internet - Lei 12.965/2014 - é uma norma jurídica que traz um conjunto de regras no uso da internet e redes sociais, tanto para usuários como para empresas que atuam no mundo virtual.

Trata-se de um grande avanço para o Brasil, cuja legislação se limitava a regulamentar negócios jurídicos e fatos ocorridos no mundo real - indo, no máximo, até as comunicações telefônicas.

Sua relevância é grande, pois em 2011, ano em que o projeto de lei do marco civil da internet foi apresentado, a ONU - Organização das Nações Unidas, declarou que o acesso à internet passou a ser considerado um dos direitos humanos.

Neste artigo, vamos entender o que represente o marco civil da internet, os princípios que ele trouxe para o direito brasileiro e como os advogados devem lidar com este novo direito.

Boa leitura! Caso fique com dúvidas, mande um e-mail pra gente!

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O que é o Marco Civil da Internet?

O marco civil da internet é uma legislação que regulamentou o uso e a exploração da internet no Brasil, trazendo garantias, direitos e deveres para usuários e empresas que exploram o universo digital no país.

Antes dele, a internet era considerada terra sem lei, pois não havia clareza quais normas jurídicas incidiam sobre o mundo virtual - o que se agrava à medida em que a legislação do Brasil era basicamente projetada para um mundo de relações jurídicas no mundo físico, real, e não virtual.

Atualmente, ele é considerado uma das garantias dos direitos fundamentais, pois está associado diretamente ao direito à informação, previsto no Art. 5 º inc. XIV da Constituição Federal de 1988.

Qual a lei do Marco Civil da Internet?

A lei do marco civil da internet é a Lei 12.965/14, promulgada em 23 de abril de 2014 pela então Presidente Dilma Rousseff, e que "estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil."

Esta lei foi chamada de Constituição da Internet, devido ao entendimento de que a internet, em seus sites e redes sociais, reune uma quantidade imensa e indeterminada de usuários - como uma grande nação.

No começo, ele chegou a ser apelidado de "AI 5 Digital" por aqueles que defendiam a internet como uma zona livre de qualquer tipo de regulamentação de seus conteúdos.

Ele foi originado do Projeto de Lei n. 2.126/2011, de iniciativa do Poder Executivo, através da Secretaria de Assuntos Legislativos, contando com a ampla participação de diversos setores da sociedade civil.

Ela foi regulamentada pelo Decreto n. 8.771/2016, o qual tem foco na comercialização dos pacotes de dados, degradação de tráfego na internet e procedimentos proteção de dados e transparência na requisição e guarda de dados pessoais dos usuários pelos provedores de conexão à internet.

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Quando foi aprovado o Marco Civil da Internet?

O marco civil da internet, Lei n. 12.965/14, entrou em vigor em 23/04/2014, tendo sido publicado no Diário Oficial da União em 24/04/2014.

Antes disso, ele foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 25/03/2024, sendo encaminhada para o Senado Federal, que aprovou o projeto de lei em 22/04/2014 - em um processo legislativo bastante rápido.

Quais os princípios do Marco Civil da Internet?

O marco civil da internet traz uma série de princípios, que regem as relações ocorridas na rede, indo desde a venda de pacotes de dados de tráfego, passando pela guarda e sigilo dos dados pessoais dos usuários, até a estruturação de negócios digitais e aplicações de internet.

Eles estão previstos no Art. 3o da Lei 12.965/14, vejamos:

Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:

I - garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, nos termos da Constituição Federal;

II - proteção da privacidade;

III - proteção dos dados pessoais, na forma da lei;

IV - preservação e garantia da neutralidade de rede;

V - preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede, por meio de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e pelo estímulo ao uso de boas práticas;

VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos da lei;

VII - preservação da natureza participativa da rede;

VIII - liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei.

Nos tópicos a seguir, vamos entender cada um dos princípios trazidos pelo marco civil da internet.

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Princípio da garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento

O princípio da garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento é derivado do Art. 5 º inc. IV da Constituição Federal de 1988, que trata da liberdade de pensamento.

Este princípio assegura que a internet seja utilizada como um espaço no qual todos possam livremente expressar suas opiniões e se comunicar de forma livre, incluindo o compartilhamento de informações.

Com base nele, a lei busca reprimir qualquer tipo de censura ou limitação ao acesso às informações e à liberdade de expressão.

Princípio da proteção à privacidade

O princípio da proteção à privacidade buscou assegurar que os usuários da internet não terão sua intimidade deflagrada na rede, nem seus computadores invadidos de forma ilegal - reprimindo a atuação de hackers e do próprio Governo.

Além disso, ele indica que a coleta, uso e armazenamento de informações deve ocorrer dentro de diretrizes pré-estabelecidas e com a prévia informação e anuência de seus titulares - vetado o uso para fins não autorizados.

Este princípio surge muito antes da Lei Geral de Proteção de Dados - Lei n. 13.709/18 - que somente veio a ser publicada em 2018, com vigência em agosto de 2020.

Preservação e garantia da neutralidade de rede

A preservação e a garantia da neutralidade da rede é um dos princípios mais fortes do Marco Civil da Internet, proibindo os provedores de conexão de realizarem qualquer atividade que filtre ou monitore o conteúdo gerado com o objetivo de segregar as informações apresentadas aos usuários.

A ideia é que ela seja um espaço neutro, onde as pessoas sejam expostas ao conteúdo que estiver disponível, sem uma pré-seleção tendenciosa ou enviesada.

Além disso, este princípio busca garantir que todos as pessoas sejam tratados da mesma forma, sem uma política de discriminação de local, idade ou até mesmo de velocidade de acesso.

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Princípio da proteção de dados pessoais

O princípio da proteção de dados pessoais vem ao mesmo sentido do princípio da privacidade, porém é focado nos dados pessoais dos usuários, que não podem ser coletados e utilizados sem a prévia ciência a autorização de seus titulares.

Este princípio era de difícil aplicação pela falta de uma legislação específica e mais robusta, o que só veio a ocorrer em 2018, com a edição da Lei Geral de Proteção dos Dados Pessoais - LGPD.

Porém, ele é um bom sinal, demonstrando que o Brasil já possuía esta preocupação há bastante tempo.

Princípio da preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da rede

Já o princípio da preservação da estabilidade, segurança e funcionalidade da internet visa garantir a continuidade no acesso à rede, impondo aos servidores que implementem e mantenham medidas que a proteja de ataques cibernéticos e práticas abusivas e ilegais.

Ou seja, é um princípio focado na segurança da rede e em sua infraestrutura - que deve ser segura, eficiente, confiável e perene.

Princípio da responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades

O princípio da responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades busca primeiro segregar e esclarecer o papel de cada agenda na internet - provedor de conexão, criadores de conteúdo e usuários.

E, à partir desta diferenciação, estabelecer a medida em que cada um será responsabilizado civilmente por danos ocorrido no uso da internet, na falha em sua prestação ou, ainda, pelo conteúdo gerado por terceiros.

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Preservação da natureza participativa da rede

Este princípio, da preservação na natureza participativa da rede, é inerente à própria criação e existência da internet: sua natureza plural e colaborativa.

Seu objetivo é mantê-la como um espaço onde todas as pessoas possam produzir, buscar e compartilhar informações - assegurando, por consequência, a liberdade de expressão.

Princípio da liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet

Decorrente de todos os demais princípios, o princípio da liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet busca preparar o terreno para futuras regulamentações sobre negócios digitais.

Desde seu surgimento, a rede já era um campo que permitia a criação de inúmeros negócios, em formatos nunca antes vistos - e o marco civil buscou, como princípio, não criar qualquer entrave para seu surgimento.

Com isso, tem-se uma evolução constante de novos modelos de negócios surgindo na internet, ganhando força recentemente com as redes sociais - e com espaço para uma regulamentação legal que acompanha toda esta evolução.

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Quais as mudanças o Marco Civil da Internet trouxe?

O marco civil da internet trouxe significativas mudanças, no intuito de deixar para trás a ideia de que ela seria uma terra sem lei, sem direitos e deveres de seus agentes.

A norma buscou assegurar pilares que constituem seu próprio conceito, como a neutralidade de rede, impedindo que os provedores privilegiam ou discriminem determinados tipos de tráfego.

Neste mesmo sentido, reiterou a relevância de garantir a liberdade de expressão - porém limitando-a com os primeiros conceitos e aplicações de proteção de dados e de privacidade na rede.

Ou seja, a liberdade é garantida, desde que respeitados os direitos e a privacidade de terceiros - o que é de extrema relevância nos pedidos judiciais de remoção de conteúdo gerado por terceiros, de responsabilidade dos provedores de internet, algo bastante comum nos dias de hoje.

Além disso, a legislação diferenciou o provedor de conexão do provedor de aplicações de internet, especialmente para diferenciar quem será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado.

Neste ponto, é relevante lembrar que o provedor de aplicações de internet passou a ser responsável pelo conteúdo gerado, tendo a difícil tarefa de regulamentar suas publicações - sem cercear a liberdade de expressão.

A lei também impôs aos provedores de conexão o dever de guarda dos registros de conexão dos usuários por 01 (um) ano, conforme Art. 13 do Marco Civil da Internet.

Vimos, por sua vez, uma ampliação na participação social e governamental na regulação da internet.

Com isso, temos a sociedade civil com mais voz na internet, devendo o Poder Público estabelecer diretrizes de atuação para o desenvolvimento e o aperfeiçoamento da internet no Brasil, conforme previsto do Artigo 24 ao Artigo 28 do Marco Civil da Internet.

Vejamos:

Art. 24. Constituem diretrizes para a atuação da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no desenvolvimento da internet no Brasil:

I - estabelecimento de mecanismos de governança multiparticipativa, transparente, colaborativa e democrática, com a participação do governo, do setor empresarial, da sociedade civil e da comunidade acadêmica;

II - promoção da racionalização da gestão, expansão e uso da internet, com participação do Comitê Gestor da internet no Brasil;

III - promoção da racionalização e da interoperabilidade tecnológica dos serviços de governo eletrônico, entre os diferentes Poderes e âmbitos da Federação, para permitir o intercâmbio de informações e a celeridade de procedimentos;

IV - promoção da interoperabilidade entre sistemas e terminais diversos, inclusive entre os diferentes âmbitos federativos e diversos setores da sociedade;

V - adoção preferencial de tecnologias, padrões e formatos abertos e livres;

VI - publicidade e disseminação de dados e informações públicos, de forma aberta e estruturada;

VII - otimização da infraestrutura das redes e estímulo à implantação de centros de armazenamento, gerenciamento e disseminação de dados no País, promovendo a qualidade técnica, a inovação e a difusão das aplicações de internet, sem prejuízo à abertura, à neutralidade e à natureza participativa;

VIII - desenvolvimento de ações e programas de capacitação para uso da internet;

IX - promoção da cultura e da cidadania; e

X - prestação de serviços públicos de atendimento ao cidadão de forma integrada, eficiente, simplificada e por múltiplos canais de acesso, inclusive remotos.

Por fim, a Lei 12.965/14 consagrou o entendimento de que o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às relações ocorridas na internet, como garante seu Art. 2 º inc. V e Art. 7 º inc. XIII.

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O que o Marco Civil da Internet fala sobre a responsabilidade pelo conteúdo gerado?

O marco civil da internet possui uma seção específica sobre a responsabilidade pelo conteúdo gerado na internet.

Em seu Art. 18, ele trata que o provedor de conexão à internet não será responsável pelos danos decorrentes do conteúdo gerado por terceiros.

Porém, ele deverá adotar as providência para a remoção dos conteúdos, após ordem judicial específica para tal fim, respondendo, então por seu descumprimento ou procrastinação, conforme seu Art. 19.

Já o provedor de aplicações de internet deverá regular a publicação de conteúdos, devendo fornecer às autoridades públicas, se solicitado, os usuários responsáveis pela publicação de conteúdo ilícito.

Além disso, ele será responsável subsidiário em casos de violação da intimidade sem autorização, nos casos em que envolver atos de nudez.

Quais mudanças estão em discussão no Marco Civil da Internet?

Em vigor desde 2014, é natural que o marco civil da internet tenha sofrido a ação do tempo, em uma sociedade que vivenciou uma avalanche de novos negócios criados no meio digital, bem como a ampliação do uso da internet para diversos fins - como pagamentos instantâneos, assinaturas eletrônicas, emissão, guarda e criação de documentos digitais.

Não à toa a lei é chamada de marco, ou seja, ela estabelece as primeiras linhas sobre a internet, estando aberta a todas as regulamentações que as inovações exijam.

O maior exemplo desde então é a própria Lei Geral de Proteção de Dados, que estabeleceu garantias para os usuários, que viam seus dados vazarem livremente na internet, sendo utilizados para fins não autorizados - sendo, como já disseram, o novo petróleo.

Marco Civil da Internet x Fake News

Um dos embates mais atuais e de elevada importância sobre a internet diz respeito às fake news, ou seja, as notícias falsas que circulam nas diversas plataformas de redes sociais, de forma proposital, e com a capacidade de causar danos aos usuários, às empresas e à toda a sociedade civil.

Embora o marco civil da internet tenha estabelecido bases de liberdade de expressão, ele não buscou regulamentar o conteúdo gerado, não prevendo que as notícias falsas poderiam se espalhar com tamanha rapidez e intensidade.

Assim, temos diversas iniciativas do Governo para atualizar a legislação em relação à desinformação causada pelas fake news - a começar por um pacote de combate anunciando pelo Ministério da Justiça, atualmente em trâmite no Congresso Nacional.

Marco Civil da Internet x Inteligência Artificial

A nova fronteira do marco civil da internet agora se dá em relação à inteligência artificial, algo que era apenas assunto de filmes em 2014.

Agora, é uma realidade, estando o Brasil, assim como todos os países do mundo, tendo que lidar com uma tecnologia sem direitos e deveres definidos - e cujas aplicações práticas e real interesse ainda estão sendo conhecidas.

Porém, não há dúvidas de que este tema precisa de atenção - e será objeto de grandes embates envolvendo direitos humanos e direitos civis nos próximos anos, devido à importância e repercussão que terá.

A internet é terra sem lei?

A internet não é mais uma terra sem lei, pois seu uso e exploração está sujeito às normas e princípios trazidos pelo Marco Civil da Internet e pelo Código de Defesa do Consumidor - além de outras tantas, como o próprio Código Penal, que passou a tipificar uma série de crimes praticados na rede.

Dois exemplos emblemáticos, de grande importância no direito brasileiro, são a Lei 12.735/12, que passou a tipificar as condutas criminosas praticadas por meio digital, de autoria do então Deputado Eduardo Azeredo; e também a Lei n. 12.737/12, Lei Carolina Dieckmann, que trata dos crimes informáticos.

Além disso, ela passou a sofrer intenso monitoramento por parte do Ministério da Justiça, do Conselho Nacional de Justiça e da Secretaria Nacional do Consumidor - além de entidades independentes da sociedade civil.

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O que diz a Lei 12.965/14?

A Lei 12.965/14 é o Marco Civil da Internet, e fala sobre os princípios da rede, a responsabilidade dos usuários e provedores.

Conclusão

Ao longo dos 20 anos de carreia na advocacia, pudemos acompanhar os primeiros impactos da internet as relações jurídicas, e como a legislação não conseguia acompanhar o ritmo de suas evoluções nos meios digitais.

Em nosso ponto de vista, tivemos um grande esforço do Poder Executivo, do Senado e da Câmara dos Deputados, incitados por diversos setores da sociedade civil, para que os avanços acontecessem, até chegamos ao Marco Civil da Internet.

E os desafios para a advocacia foram imensos, desde aspectos práticos, como a virtualização de documentos e dos processos judiciais, até em suas áreas de atuação, precisando analisar a viabilidade de novos negócios jurídicos, criados em ambientes virtuais não regulamentados, bem como defender clientes que tiveram sua privacidade exposta e sua imagem denegrida nas redes sociais.

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Carlos Stoever

(Advogado Especialista em Direito Público)

Advogado. Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Consultor de Empresas formado pela Fundação Getúlio Vargas. Palestrante na área de Licitações e Contratos Administrativos, em cursos abertos e in company. Consultor em Processos Licitatórios e na Gestão de Contratos Públicos.

@calos-stoever

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