Direito Penal

Atualizado 09/07/2024

Dolo Eventual

Carlos Stoever

5 min. de leitura

Compartilhe:

dolo eventual é um conceito do direito penal bastante discutido em processos judiciais, pois é capaz de alterar o tipo penal e majorar sensivelmente a pena - devendo seu conceito fazer parte de uma estratégia processual dos advogados criminalistas para evitar a condenação de seu cliente.

A questão controversa é a caracterização do dolo eventual, pois seu conceito se confunde com outros institutos jurídicos, especialmente com a culpa consciente.

Neste artigo, vamos explorar as características do dolo eventual, suas distinções e aplicações no dia a dia da advocacia.

O que é o dolo eventual?

O dolo eventual é um conceito jurídico relacionado à culpabilidade do agente ao cometer um crime - neste caso, mesmo não querendo o resultado, ele possui consciência das consequências de seus atos, entendendo que há chance do resultado ilícito ocorrer e, mesmo assim, assume o risco de produzi-lo.

Ou seja, ele não tem a intenção de cometer o crime, mas sabe que seus atos podem acarretar sua prática, e mesmo assim decide prosseguir com a conduta.

O exemplo clássico de dolo eventual é quando alguém dirige um veículo embriagado ou em alta velocidade e, mesmo não tendo a intenção de atropelar alguém, aceita a possibilidade de isso acontecer como consequência de sua conduta.

banner-busca-jurisprudencia-jusdocs

Qual a previsão legal do dolo eventual?

O dolo eventual não possui expressa previsão na lei penal, sendo construído à partir da parte final do Artigo 18 inc. I do Código Penal Brasileiro:

Art. 18 - Diz-se o crime:

Crime doloso

I - doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

No caso do dolo eventual, entende-se que o agente assumiu o risco de produzir o resultado.

Como caracterizar o dolo eventual?

O dolo eventual se caracteriza pelo fato do agente ter ciência da possibilidade do resultado de sua ação ocorrer e, mesmo assim, prosseguir com sua conduta.

Ou seja, é preciso comprovar que havia inequívoco conhecimento dos potenciais resultados daquele ato - vindo o autor a continuar com a ação - e, assim, ficando demonstrado que ele assume o risco de que o resultado danoso ocorra.

Em uma situação normal, típica, espera-se que a pessoa não pratica a conduta diante da percepção de que dela podem resultar consequências lesivas ou ilegais.

Isso ocorre, por exemplo, quando alguém que ingeriu bebidas alcoólicas se recusa a dirigir um veículo - pois sabe que poderá causar um acidente - e, se prosseguir com a direção, eventual crime terá sido cometido com dolo eventual.

Diferença entre dolo eventual e culpa consciente

Na prática, o dolo eventual é utilizado em contraposição ao conceito de culpa consciente, então é necessário entender o que diferencia um conceito de outro.

A principal diferença entre dolo eventual e culpa consciente está na aceitação do resultado.

Enquanto no dolo eventual o agente aceita que o resultado possa ocorre e persiste em sua conduta, na culpa consciente ele até sabe da possibilidade do resultado, mas genuinamente não espera nem acredita que o resultado venha a ocorrer.

Repare que em todo o Código Penal Brasileiro a pena para os crimes muda drasticamente para os tipos dolosos, razão pela qual há um esforço imenso dos advogados em descaracterizarem o dolo eventual e configurar a culpa consciente, gerando uma sensível redução na condenação e, por muitas vezes, sendo ela atingida pela prescrição.

Na prática, é preciso analisar todos os elementos do casos para poder entender se, subjetivamente, é caso de dolo eventual ou culpa consciente - ou seja, a diferença entre dolo eventual e culpa consciente está na vontade do agente, o que torna complexa sua distinção na prática.

E mais: caso o resultado tenha sido a morte da vítima, o dolo eventual leva o autor a Júri Popular, enquanto que a culpa consciente desqualifica o crime - o que, no geral, só pode ser feito pelo Tribunal do Júri.

Vejamos um interessante precedente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul no qual foi analisada esta diferença em um caso prático, de homicídio de trânsito:

APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIOS TENTADOS E CONSUMADO NO TRÂNSITO. DOLO EVENTUAL E CULPA. SENTENÇA DESCLASSIFICATÓRIA. INSURGÊNCIA MINISTERIAL. RECURSO PROVIDO PARA FINS DE PRONUNCIAR O RÉU E SUBMETÊ-LO A JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI.

1. Dolo eventual e culpa consciente divergem, do ponto de vista estrutural, apenas no plano volitivo, já que, em ambos, faz-se presente o elemento intelectual, ou seja, a representação.

Na culpa, o agente tem convicção (equivocada) de que pode evitar o resultado, acreditando piamente que não irá ocorrer, não se resignando com o resultado e, sim, confiando (negligentemente) na sua inocorrência.

No dolo eventual, ainda que o réu não queira o resultado e possa haver uma esperança de que o evento danoso não se concretize, o agente, mesmo com dúvida, opta por correr o risco.

2. Nos termos do art. 413 do CPP, a decisão de pronúncia configura simples juízo de admissibilidade da acusação, satisfazendo-se com prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, para fins de submissão da pessoa acusada ao Tribunal do Júri, juízo natural dos crimes dolosos contra a vida, como assegurado pelo art. 5º, inciso XXXVIII, alínea "d", da Constituição Federal.

3. No caso dos autos, três vítimas, por um golpe de sorte, lograram desvencilhar-se do choque principal e, por isso, sobreviveram, ao passo que a vítima fatal foi lançada a vários metros de distâncias devido à velocidade empregada pelo acusado, mesmo que não se saiba qual, sendo perceptível pelas imagens câmeras e relatos das vítimas que sequer houve redução de velocidade ou tentativa de evitar a colisão. Não bastasse, sequer o réu parou o veículo para prestar socorro e intentar minimizar os resultados de sua conduta, do que também se denota a possibilidade de ter consentido com o resultado, ao menos em um juízo de cognição de juízo de admissibilidade.

4. Admissível o reconhecimento de dolo eventual em crimes de homicídio na direção de veículo automotor, a depender das circunstâncias concretas da conduta. No caso, a imputação criminosa atribuída ao paciente não resultou de aplicação aleatória ou indiscriminada ado dolo eventual. Precedentes.

5. Inexiste incompatibilidade entre tentativa e o dolo eventual, pois não se trata de "dolo de tentativa" e, sim, o dolo de cometer ação, cuja realização se deu de modo incompleto por circunstâncias fortuitas. Não se pode condicionar o dolo ao resultado, posto que esse é externo e posterior à idealização, não tendo o condão de alterar a subjetividade da ação praticada o fato. Precedentes. APELO MINISTERIAL PROVIDO. POR MAIORIA.

(Apelação Criminal, Nº 50066502320228210009, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: David Medina da Silva, Julgado em: 18-04-2024)

Grifamos: a desqualificação de dolo eventual para a culpa consciente é uma decisão que só pode ser tomada pelo Tribunal do Júri, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSUAL PENAL E PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS, UM CONSUMADO E UM TENTADO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. PRONÚNCIA. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE DOLO EVENTUAL. ANÁLISE DO ELEMENTO SUBJETIVO DO TIPO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O DOLO EVENTUAL E A TENTATIVA. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

1. A pronúncia encerra simples juízo de admissibilidade da acusação, exigindo o ordenamento jurídico somente o exame da ocorrência do crime e de indícios de sua autoria, não se demandando aqueles requisitos de certeza necessários à prolação da sentença condenatória, sendo que as dúvidas, nessa fase processual, resolvem-se pro societate.

2. No caso dos autos, a Corte de origem reconheceu que há indícios suficientes de que o acusado teria conduzido seu carro em alta velocidade, em estado de embriaguez, vindo a invadir a contramão de direção para evitar autuação por sistema automático de controle de velocidade (radar). Considerou, outrossim, haver testemunhas que afirmam o ora recorrente era conhecido por dirigir perigosamente, destacando que tal afirmação encontra reforço no fato dele ostentar muitos registros de autuações de trânsito graves, com suspensão da habilitação pouco tempo antes dos fatos, além de condenações definitivas por embriaguez ao volante e homicídio culposo no trânsito.

3. O deslinde da controvérsia sobre o elemento subjetivo do crime, especificamente, se o acusado atuou com dolo eventual ou culpa consciente, fica reservado ao Tribunal do Júri, juiz natural da causa, onde a defesa poderá exercer amplamente a tese contrária à imputação penal.

4. Consoante precedentes desta Corte, há compatibilidade entre o dolo eventual e a tentativa, mesmo em contexto de direção de veículo automotor (AgRg nos EDcl no REsp n. 2.041.588/DF, relator Ministro Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, julgado em 13/6/2023, DJe de 16/6/2023).

5 . Agravo regimental não provido.

(AgRg no REsp n. 2.099.850/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 11/12/2023, DJe de 19/12/2023.)

banner-pecas-editaveis-word-jusdocs

Qual a previsão legal da culpa consciente?

A culpa consciente não está prevista na legislação penal, sendo uma construção da doutrina e jurisprudência - à partir do conceito geral de culpa previsto no Art. 18 do Código Penal:

Art. 18 - Diz-se o crime:

Crime culposo

II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Quais os tipos de dolo?

No direito penal brasileiro existem os seguintes tipos de dolo:

      • Dolo Direto: quando o agente tem a intenção direta de produzir o resultado.

      • Dolo Indireto:

        • Dolo Eventual: agente não busca o resultado, mas aceita sua possibilidade.

        • Dolo Alternativo: agente atua sabendo que um dentre vários resultados possíveis ocorrerá.

      • Preterdolo: quando o agente tem intenção em relação à conduta, mas o resultado é mais grave do que o pretendido, e é aceito como possível.

Vamos entender melhor cada tipo de dolo existente no direito penal.

Dolo Direto

O dolo direto representa a vontade direta e inequívoca do agente no resultado de suas ações - ou seja, ele sabe que, ao praticar determinada conduta, terá o resultado esperado.

É o que ocorre quando alguém furta um veículo - o ato de furtar gera claramente o resultado da subtração do bem. Da mesma forma, o ato de proferir um tiro contra alguém pode causar sua morte.

Aqui, a intenção do agente é clara ao praticar a ação que resulta na consequência ilícita.

Dolo Eventual

No dolo eventual, como vimos acima, o agente tem ciência do possível resultado de seus atos e, embora não os deseje diretamente, persiste em sua prática.

É o caso de alguém que brinca de roleta russa, na qual a pessoa sabe que a arma pode disparar e assume este risco, mesmo não desejando o resultado morte.

Preterdolo

No preterdolo o agente tem a intenção de pratica um determinado resultado, porém, por alguma razão, acaba gerando uma consequência mais grave, a qual embora saiba ser possível, não era por ele desejada.

Ou seja: ele quer um resultado menor, mas assume o risco de algo mais grave ocorrer.

Um bom exemplo de preterdolo se dá quando uma pessoa quer agredir alguém, que acaba morrendo - embora sua intenção seja apenas a lesão corporal, o resultado morte, mais grave, não desejado e possível, acaba ocorrendo.

O preterdolo é um tipo de agravante do tipo penal pelo resultado - como ocorre no roubo seguido de morte.

É de extrema importância o domínio de tais conceitos pelos advogados, pois eles têm a capacidade de alterar completamente o rumo do processo e a condenação de seus clientes - e sua comprovação dependerá muito da atuação do advogado, para comprovar a real intenção de seu cliente.

banner-modelos-direito-penal-jusdocs

Quais os tipos de culpa?

Ao contrário do dolo, a culpa ocorre quando não há a intenção em praticar o crime - porém, também existem subdivisões doutrinárias a respeito dela, a saber:

      • Culpa: quando o resultado era imprevisível;

      • Culpa Consciente: quando o resultado era previsível, porém o agente confia que ele não irá ocorrer.

Novamente, temos o elemento volitivo presente para distinguir cada conceito - sendo melhor explorar cada um deles a seguir.

Culpa

A culpa se caracteriza pela obtenção de um resultado que não era pretendido pelo autor, mas que ocorre por negligência, imprudência ou imperícia - ou seja, o agente falha em sua conduta, não conseguindo prever o resultado nem tendo como evitá-lo.

De qualquer forma, na culpa não há a intenção de cometer o crime.

É o que ocorre quando um atirador profissional está praticando seu esporte e alguém atravessa o campo de tiro, sendo atingido.

Culpa Consciente

Na culpa consciente - conceito mais próximo do dolo eventual - o agenda prevê o resultado como possível, porém não acredita que ele irá ocorrer, nem o deseja, porém, ainda assim ele acaba acontecendo.

Como vimos acima, enquanto no dolo eventual o agenda admite a hipótese da ocorrência do resultado e mesmo assim age, na culpa consciente a ação se dá pela convicção de que ele não ocorrerá.

É o exemplo do atirador de facas que confia em suas habilidades e, embora sabendo que uma delas poderá atingir a pessoa, acredito e confia que isso não irá ocorrer.

banner-desconto-pix-jusdocs

Conclusão

O conceito de dolo eventual, e suas distinções com as demais modalidades de dolo, são temas presentes nos processos criminais, exigindo muito conhecimento técnico dos advogados na comprovação da real intenção de seu cliente.

Existem casos emblemáticos, a exemplo do caso da Boate Kiss, ou do Médico acuado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro pelo crime de homicídio doloso, por dolo eventual, devido à morte de paciente em procedimento estético realizado em local impróprio (sala comercial ao invés de bloco cirúrgico hospitalar).

Para auxiliar nossos advogados, disponibilizamos uma série de modelos de petições e fluxogramas jurídicos que auxiliam na elaboração das melhores teses jurídicas - contando ainda com um sistema de busca de jurisprudência com jurimetria, para que você possa desenvolver as melhores peças.

Mais conteúdo sobre direito penal

Fluxograma sobre habeas corpus.

Fluxograma sobre excludentes de culpabilidade.

Fluxograma sobre homicídio doloso.

Modelo de contestação - ausência de culpa.

Modelo de resposta à acusação em homicídio doloso.

Modelo de alegações finais - ausência de dolo.

Precisa de algum modelo mais específico? Mande um e-mail para a gente!

Foto de Carlos Stoever

Carlos Stoever

(Advogado Especialista em Direito Público)

Advogado. Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Consultor de Empresas formado pela Fundação Getúlio Vargas. Palestrante na área de Licitações e Contratos Administrativos, em cursos abertos e in company. Consultor em Processos Licitatórios e na Gestão de Contratos Públicos.

@calos-stoever

Compartilhe:

Dolo Eventual

Dolo

Culpa Consciente

Peças Recomendadas

Fluxogramas Recomendados