Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA CÍVEL DA COMARCA DE $[PROCESSO_COMARCA] - $[PROCESSO_UF]
$[parte_autor_nome_completo],$[parte_autor_nacionalidade], $[parte_autor_estado_civil], $[parte_autor_profissao], portador do $[parte_autor_rg] e inscrito no $[parte_autor_cpf], residente e domiciliado na $[parte_autor_endereco_completo], vem, mui respeitosamente perante V. Exa. através dos procuradores in fine assinados, propor a presente
AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÍVIDA C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA
em face de em face de $[parte_reu_razao_social], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no $[parte_reu_cnpj], com sede na $[parte_reu_endereco_completo]; e $[parte_reu_razao_social], pessoa jurídica de direito privado, inscrita no $[parte_reu_cnpj], com sede na $[parte_reu_endereco_completo], pelas razões de fato e de direito que passa a expor:
1. SÍNTESE FÁTICA
No dia 20/06/2018, o Autor foi contatado, via telefone fixo, por uma pessoa que se identificou como sendo da Central de Cartões da bandeira $[parte_reu_razao_social](2ª ré), informando que teria ocorrido uma compra no cartão de crédito do Autor em $[geral_informacao_generica] e tendo em vista que era uma compra fora do comum, gerou preocupação, diante disso ligaram para confirmar a compra e averiguar eventual clonagem de cartão.
O Autor informou que não tinha realizado a compra, pedindo para cancelá-la, assim como o cartão “clonado”. A atendente disse que iria fazer isso, mas pediu que o Autor ligasse imediatamente para o Banco $[geral_informacao_generica] (1ª ré), fornecendo o número de contato do Banco: $[geral_informacao_generica].
Como o Autor já conhecia o número do Banco $[geral_informacao_generica] e se tratava exatamente do número fornecido, não desconfiou de nada e ligou. Um homem atendeu se identificando como $[geral_informacao_generica], e, de forma muito arrojada e detalhada, tal como se do Banco fosse, começou a realizar todo o processo de segurança a ser aplicado no caso, tal como certificar que a ligação estava sendo realizada do telefone fixo em $[geral_informacao_generica], mostrando grande conhecimento dos procedimentos de segurança da instituição financeira e, inclusive, fornecendo número de protocolo da ligação, bem como informações que apenas os bancos possuem.
Por fim o atendente solicitou uma confirmação quanto aos dados bancários do Autor, procedimento comum das instituições financeiras.
Pouco depois do telefonema, o atendente retornou ligação ao Autor e, novamente, passou todos os procedimentos de segurança, tal como se do Banco fosse, acrescentando a informação de que o cartão teria que ser recolhido, para ter certeza que o plástico não tinha sido entregue a outra pessoa, tendo sido fornecido um código, como se fosse uma senha, para identificar a autenticidade da pessoa que iria buscar o cartão.
O Autor pensou que esse procedimento era natural por uma questão de segurança, tendo em vista a conversa ter sido bem arrojada e elaborada e, quando o “motoboy” chegou em sua residência, fornecendo o código, o Autor lhe entregou o cartão. Ainda foi exigido do Autor uma declaração de próprio punho dizendo que o cartão não havia sido emprestado e que ele não tinha realizado nenhuma compra em $[geral_informacao_generica].
Depois disso, novamente o Autor recebeu ligação do mesmo atendente, “$[geral_informacao_generica]”, dizendo que estava tudo certo e que o cartão havia sido cancelado.
Para todos os efeitos, o problema da clonagem do cartão havia sido resolvido. Ledo engano!
Estranhamente, no mesmo dia, o Autor recebeu uma mensagem no seu celular, informando uma compra com o seu cartão de crédito “cancelado” estranha ao seu conhecimento. Após algum tempo, outras compras foram registradas.
Desesperado, o Autor concluiu que havia caído em um golpe!
Ato contínuo, o Autor ligou para a sua gerente do Banco $[geral_informacao_generica], relatando o ocorrido, concluindo ter sido vítima de fraude muito bem elaborada e aparentemente executada por uma quadrilha de estelionatários bem estruturada.
A gerente então forneceu extrato das compras e transações realizadas no período (20 e 21 de junho de 2018 - em anexo), atestando a fraude.
Por meio de diligências pessoais (Autor é policial federal aposentado) e com a ajuda da segurança de um shopping, o estelionatário acabou sendo preso em flagrante e responde processo criminal na 02ª Vara Criminal de $[processo_comarca], sob o número $[geral_informacao_generica].
As transações e compras realizadas estranhas ao conhecimento ao Autor foram as seguintes:
CONTA CORRENTE
DATA HORA ESTABELECIMENTO VALOR
20/06/2018 21:41 BANCO 24 HORAS 1.000,00
20/06/2018 21:42 BANCO 24 HORAS 500,00
20/06/2018 21:51 AVS CORRETORA CAMBIO 4.752,00
21/06/2018 CONTR. BB SALÁRIO 15.000,00
21/06/2018 10:15 AVS CORRETORA CAMBIO 4.823,28
21/06/2018 11:14 LOJAS IPLACE 5.033,16
21/06/2018 SAQUE POUPANÇA 1.500,00
TOTAL32.608,44
CARTÃO DE CRÉDITO
DATA HORA ESTABELECIMENTO VALOR
20/06/2018 21:10 LOJA ARTWALK 449,99
20/06/2018 21:33 LOJAS C&A 1.199,00
20/06/2018 22:28 LOJAS CENTAURO 1.089,96
TOTAL2.738,95
Diante da comprovada fraude, foi solicitado junto a gerente o pronto cancelamento do cartão e o ressarcimento dos valores, oportunidade em que esta falou que ia cancelar o cartão e verificar o procedimento a ser adotado.
Após isso, mesmo o Autor sendo correntista do Banco $[geral_informacao_generica] desde 1985, ou seja, há 33 anos, nenhum contato foi feito pela gerente ou por qualquer outro funcionário, nem mesmo para prestar solidariedade ou alguma alternativa para solucionar o problema.
Inconformado por não lhe darem nenhum retorno, o Autor, no dia 02/07/2018 ligou para sua Agência, quando descobriu, para sua surpresa, que o processo para o ressarcimento das despesas havia sido arquivado.
Apenas no dia 04/07/2018 o Autor recebeu um e-mail, negando o ressarcimento (protocolo nº 55959187), em anexo, não tendo qualquer informação adicional realmente fundamentando a negativa.
Tal procedimento levantou a suspeita de que o banco apenas tentou “abafar o caso”, haja vista as várias informações que supostamente “vazaram” da instituição financeira.
Ainda, o Autor foi até a agência, novamente, para encerrar a conta e verificar se conseguiria ao menos algum desconto quanto ao empréstimo adquirido pelo estelionatário de R$ 15.000,00.
No entanto, conforme e-mail da gerente $[geral_informacao_generica] (em anexo) o Banco se recusou em encerrar a conta, pois haveria a necessidade de liquidação dos empréstimos e, ainda, não concederam nenhum tipo de desconto quanto ao pagamento do empréstimo feito pelo estelionatário, apenas propondo uma mudança de linha de operação.
Em nenhum momento os funcionários do Banco mostraram qualquer tipo de solidariedade pelo crime em que foi vítima o Autor, que muito o abalou e toda a sua família, considerando o enorme prejuízo financeiro, tratando o Autor tal como se fosse ele que tivesse realizado as compras e assumido as dívidas.
O Autor informou o Banco Réu sobre a prisão do estelionatário, para que fosse repassada essa informação ao setor de inteligência do Banco $[geral_informacao_generica], visto que o acusado foi preso munido de outros cartões bancários do Banco Réu, em nome de outros correntistas, mas nenhum interesse foi demonstrado, nem mesmo em querer saber quem e onde estaria preso, oportunidade em que o Autor percebeu eventual interesse do banco em não reconhecer o erro ou, até mesmo, proteger eventual esquema criminoso interno.
O Banco $[geral_informacao_generica] continua, incessantemente, cobrando do Autor o adimplemento das dívidas e empréstimo adquiridos pelo estelionatário.
Da mesma forma o cartão de crédito não acolheu a contestação dos débitos feitos pelo estelionatário, obrigando o Autor a realizar o pagamento das compras.
Diante de tamanho descaso e humilhação que sofreu, o Autor não viu alternativa a não ser dar início à presente demanda judicial.
DO DIREITO
2. DA EXISTÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
No caso em análise, fica nítida a relação de consumo travada entre as partes, uma vez que os réus se enquadram, com perfeição, como fornecedores de serviços financeiros e o Autor como destinatário final desses serviços na qualidade de consumidor.
Cumpre destacar, ainda, o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, quando à aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos Bancos, consubstanciado na Súmula 297.
O CDC permite a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, sempre que for ou hipossuficiente ou verossímil sua alegação. Trata-se de aplicação do princípio constitucional da isonomia, pois o consumidor, como parte reconhecidamente mais fraca e vulnerável na relação de consumo (CDC 4º, I), tem de ser tratado de forma diferente, a fim de que seja alcançada a igualdade real entre os partícipes da relação de consumo.
No caso dos autos, ambos os requisitos estão presentes, haja vista a hipossuficiência do Autor frente ao gigantismo das rés, bem como a verossimilhança das alegações, todas fundamentadas em processo criminal em andamento e robustas provas apresentadas nestes autos.
Diante disso, conforme preceitua o artigo 6º, VIII do Código de Defesa do consumidor é cediço que se aplique o Código de Defesa do Consumidor, em especial a inversão do ônus da prova.
3. DA RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DOS RÉUS
Primeiramente, cumpre destacar que tanto o Banco quanto a Empresa de cartão de crédito são responsáveis por verificar a idoneidade das compras realizadas pelos clientes, tendo o dever de utilizar todos os meios que impossibilitem ou, ao menos, dificultem fraudes ou transações realizadas por estranhos em nome do cliente, independentemente de qualquer informação de furto ou fraude.
Esse é o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO DO CONSUMIDOR. FURTO DE CATÃO DE CRÉDITO. COMPRAS REALIZADAS POR TERCEIROS NO MESMO DIA DA COMUNICAÇÃO. RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRADORA DE CARTÕES. DEMORA DE MENOS DE DOIS ANOS PARA O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. IRRELEVÂNCIA NA FIXAÇÃO DO QUANTUM. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
(...)Deveras, cabe à administradora de cartões, em parceria com a rede credenciada, a verificação da idoneidade das compras realizadas, utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, e isso independentemente de qualquer ato do consumidor, tenha ou não ocorrido furto.
(REsp 970.322/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 09/03/2010, DJe 19/03/2010 G.N.)
Cumpre destacar, ainda, que a responsabilidade entre as rés é solidária:
PROCESSUAL CIVIL E CONSUMIDOR. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO
EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE
DÉBITO C/C COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. VÍCIO NA PRESTAÇÃO
DE SERVIÇO. 'BANDEIRA' DO CARTÃO DE CRÉDITO. RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
2. Segundo a orientação jurisprudencial desta Corte Superior, o art. 14 do CDC
estabelece regra de responsabilidade solidária entre os fornecedores de uma
mesma cadeia de serviços, razão pela qual as “bandeiras"/marcas de cartão de
crédito respondem solidariamente com os bancos e as administradoras de cartão
de crédito pelos danos decorrentes da má prestação de serviços.
3. Agravo regimental desprovido."
(STJ - AgRg no AREsp n. 596.237/SP, Relator Ministro MARCO AURÉLIO
BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 3/2/2015, DJe 12/2/2015. G.N)
Corroborando com esse entendimento, urge mencionar que a ausência de comunicação do furto ou da fraude não exime o Banco ou a Empresa de cartão de crédito a arcar com os prejuízos causados pelo crime, conforme, novamente, entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
CONSUMIDOR - CARTÃO DE CRÉDITO - FURTO - RESPONSABILIDADE PELO USO - CLÁUSULA QUE IMPÕE A COMUNICAÇÃO - NULIDADE - CDC/ART. 51, IV.
São nulas as cláusulas contratuais que impõem ao consumidor a responsabilidade absoluta por compras realizadas com cartão de crédito furtado até o momento (data e hora) da comunicação do furto.
Tais avenças de adesão colocam o consumidor em desvantagem exagerada e militam contra a boa-fé e a eqüidade, pois as administradoras e os vendedores têm o dever de apurar a regularidade no uso dos cartões.
(REsp 348.343/SP, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/02/2006, DJ 26/06/2006, p. 130 G.N)
No caso em apreço, resta absolutamente cristalino perceber que o Banco e a Empresa de cartão de crédito não se incumbiram de seu dever de apurar a regularidade no uso do cartão do Autor, devendo ser responsabilizados pelos prejuízos suportados por este. Senão vejamos.
Primeiramente, cumpre destacar, que o cartão foi utilizado por diversas vezes no mesmo estabelecimento comercial (Shopping $[geral_informacao_generica]), tendo o estelionatário gastado mais de 15 mil reais em mercadorias e sacado mais 3 mil reais.
Analisando os autos, é absolutamente claro perceber que as transações fugiram drasticamente do perfil do Autor, levando em conta os extratos juntados e, pelos valores e a forma como as transações se deram, era fácil perceber que eram altamente suspeitas.
Não bastando, mesmo após gastar milhares de reais em menos de 24 horas em lojas de shopping, o estelionatário contraiu empréstimo de R$ 15.000,00, que foi prontamente autorizado pelo Banco!
Ora Excelência, é extremamente comum e necessário, diante de compras tão atípicas e estranhas, como as que ocorreram, que a instituição financeira intervenha ou, no mínimo, que entre em contato com o cliente, para confirmar a validade das transações.
No entanto, no caso em tela, nada ocorreu.
O ESTELIONATÁRIO PODE USAR O CARTÃO DO AUTOR AO SEU BEL PRAZER POR QUASE 2 DIAS!
Cumpre destacar que o impacto só não foi maior porque o Autor, por si só, descobriu a fraude e pediu o cancelamento do cartão.
Quem sabe até quando o estelionatário iria usar o cartão, contraindo dívidas e empréstimos, em transações extremamente atípicas, até que algum dos réus tomasse alguma providência?
Não há de se admitir tamanha negligê…