Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA $[PROCESSO_VARA] VARA CRIMINAL DA COMARCA DE $[PROCESSO_COMARCA]/$[PROCESSO_UF]
Processo nº $[processo_numero_cnj]
$[parte_autor_nome_completo] já devidamente qualificado nos autos da presente ação, por seu defensor subscritor, vem, respeitosamente à presença de V. Exa., com fulcro no artigo 403, § 3º, do Código de Processo Penal, apresentar
ALEGAÇÕES FINAIS POR MEMORIAIS
pelas razões de fato e de direito a seguir aduzidas:
I – DOS FATOS E DO DIREITO
Consta na denúncia, devidamente juntada a presente ação, que no dia 06 de novembro de 2017, por voltar das 15hrs, na Rua $[geral_informacao_generica], estaria o acusado, supostamente, realizando a venda de entorpecentes, juntamente com mais 3 indivíduos, conforme uma denúncia realizada através do 190.
A denúncia feita informava que no local havia 3 indivíduos realizando a venda de entorpecentes, que esses indivíduos se chamavam $[geral_informacao_generica], “Veio” e “Gordão”.
Policiais militares foram até o local, realizada a abordagem e busca pessoal, nada de ilícito foi encontrado com os acusados e que quando questionados o corréu Ricardo teria afirmado que havia drogas dentro da casa, permitindo que os polícias ingressassem na residência.
Em revista no local os policiais suspostamente encontram uma variedade de drogas, 3 aparelhos celulares, 8 chips de operadora celular, uma prensa de plástico, um caderno de contabilidades com comprovantes, bem como a quantia de R$ 486,50.
Excelência precisamos nos atentar à alguns fatores presentes na denúncia.
O primeiro deles é que os policiais afirmam que os corréus permitiram que eles ingressassem na residência para fazer uma busca. Ora Excelência, tal afirmação é um pouco quanto estranha, principalmente pelo fato de que a peça acusatória afirma que aquele local é conhecido como ponto de venda de drogas, o que nos faz questionar o seguinte, se o local é um ponto de venda de drogas e os corréus supostamente sabiam disso, eles jamais permitiriam que os policiais entrassem no local, e consequentemente podemos presumir que o ingresso dos policiais na residência se deu de forma forçada o que torna as provas, no caso as drogas supostamente encontradas no local, ilícitas.
Para que o ingresso na residência fosse legal seria necessário que os policiais tivessem gravado em áudio-vídeo a autorização dos corréus bem como as buscas realizadas, o que não ocorreu, até mesmo porque os policiais deixaram os acusados do lado de fora enquanto faziam as buscas, ou que os policiais comprovassem a existência de fundadas razões aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas, o que também não ocorre uma vez que os policiais não presenciaram nenhuma atividade ilegal no local, apenas receberam uma suposta denúncia anônima que nem se quer foi apresentada como prova e encontraram os corréus na porta de casa conversando.
Devemos lembrar inclusive que foi feita uma revista pessoal e nada de ilícito foi encontrado com os acusados, o que novamente demonstra que a busca na residência se deu sem fundadas razões aferidas de modo objetivo e devidamente justificadas.
Excelência as supostas provas encontradas no local devem ser desconsideradas tendo em vista a ilegalidade na operação policial, e quem afirma isso é o próprio Superior Tribunal de Justiça que unificou o entendimento da Sexa Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do HC 598051, que afirma que:
“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. FLAGRANTE. DOMICÍLIO COMO EXPRESSÃO DO DIREITO À INTIMIDADE. ASILO INVIOLÁVEL. EXCEÇÕES CONSTITUCIONAIS. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. INGRESSO NO DOMICÍLIO. EXIGÊNCIA DE JUSTA CAUSA (FUNDADA SUSPEITA). CONSENTIMENTO DO MORADOR. REQUISITOS DE VALIDADE. ÔNUS ESTATAL DE COMPROVAR A VOLUNTARIEDADE DO CONSENTIMENTO. NECESSIDADE DE DOCUMENTAÇÃO E REGISTRO AUDIOVISUAL DA DILIGÊNCIA. NULIDADE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. PROVA NULA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.
1. O art. 5º, XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio, ao dispor que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial".
1.1 A inviolabilidade de sua morada é uma das expressões do direito à intimidade do indivíduo, o qual, sozinho ou na companhia de seu grupo familiar, espera ter o seu espaço íntimo preservado contra devassas indiscriminadas e arbitrárias, perpetradas sem os cuidados e os limites que a excepcionalidade da ressalva a tal franquia constitucional exige. Documento: 122438401 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 15/03/2021 Página 1 de 8 Superior Tribunal de Justiça.
1.2. O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e seu relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais. Célebre, a propósito, a exortação de Conde Chatham, ao dizer que: “O homem mais pobre pode em sua cabana desafiar todas as forças da Coroa. Pode ser frágil, seu telhado pode tremer, o vento pode soprar por ele, a tempestade pode entrar, a chuva pode entrar, mas o Rei da Inglaterra não pode entrar!" ("The poorest man may in his cottage bid defiance to all the forces of the Crown. It may be frail, its roof may shake, the wind may blow through it, the storm may enter, the rain may enter, but the King of England cannot enter!" William Pitt, Earl of Chatham. Speech, March 1763, in Lord Brougham Historical Sketches of Statesmen in the Time of George III First Series (1845) v. 1).
2. O ingresso regular em domicílio alheio, na linha de inúmeros precedentes dos Tribunais Superiores, depende, para sua validade e regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, apenas quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência – cuja urgência em sua cessação demande ação imediata – é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.
2.1. Somente o flagrante delito que traduza verdadeira urgência legitima o ingresso em domicílio alheio, como se infere da própria Lei de Drogas (L. 11.343/2006, art. 53, II) e da Lei 12.850/2013 (art. 8º), que autorizam o retardamento da atuação policial na investigação dos crimes de tráfico de entorpecentes, a denotar que nem sempre o caráter permanente do crime impõe sua interrupção imediata a fim de proteger bem jurídico e evitar danos; é dizer, mesmo diante de situação de flagrância delitiva, a maior segurança e a melhor instrumentalização da investigação – e, no que interessa a este caso, a proteção do direito à inviolabilidade do domicílio – justificam o retardo da cessação da prática delitiva.
2.2. A autorização judicial para a busca domiciliar, mediante mandado, é o caminho mais acertado a tomar, de sorte a se evitarem situações que possam, a depender das circunstâncias, comprometer a licitude da prova e, por sua vez, ensejar possível responsabilização administrativa, civil e penal do agente da segurança pública autor da ilegalidade, além, é claro, da anulação – amiúde irreversível – de todo o processo, em prejuízo da sociedade. Documento: 122438401 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 15/03/2021 Página 2 de 8 Superior Tribunal de Justiça.
3. O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral (Tema 280), a tese de que: “A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori” (RE n. 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 8/10/2010). Em conclusão a seu voto, o relator salientou que a interpretação jurisprudencial sobre o tema precisa evoluir, de sorte a trazer mais segurança tanto para os indivíduos sujeitos a tal medida invasiva quanto para os policiais, que deixariam de assumir o risco de cometer crime de invasão de domicílio ou de abuso de autoridade, principalmente quando a diligência não tiver alcançado o resultado esperado.
4. As circunstâncias que antecederem a violação do domicílio devem evidenciar, de modo satisfatório e objetivo, as fundadas razões que justifiquem tal diligência e a eventual prisão em flagrante do suspeito, as quais, portanto, não podem derivar de simples desconfiança policial, apoiada, v. g., em mera atitude “suspeita”, ou na fuga do indivíduo em direção a sua casa diante de uma ronda ostensiva, comportamento que pode ser atribuído a vários motivos, não, necessariamente, o de estar o abordado portando ou comercializando substância entorpecente.
5. Se, por um lado, práticas ilícitas graves autorizam eventualmente o sacrifício de direitos fundamentais, por outro, a coletividade, sobretudo a integrada por segmentos das camadas sociais mais precárias economicamente, excluídas do usufruto pleno de sua cidadania, também precisa sentir-se segura e ver preservados seus mínimos direitos e garantias constitucionais, em especial o de não ter a residência invadida e devassada, a qualquer hora do dia ou da noite, por agentes do Estado, sem as cautelas devidas e sob a única justificativa, não amparada em elementos concretos de convicção, de que o local supostamente seria, por exemplo, um ponto de tráfico de drogas, ou de que o suspeito do tráfico ali se homiziou.
5.1. Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados potenciais criminosos ou usuais suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos, como idade, cor da pele, gênero, classe social, local da residência, vestimentas etc.
5.2. Sob essa perspectiva, a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos – diante da discricionariedade policial na identificação de suspeitos de práticas criminosas – pode fragilizar e tornar írrito o direito à intimidade e à Documento: 122438401 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 15/03/2021 Página 3 de 8 Superior Tribunal de Justiça inviolabilidade domiciliar, a qual protege não apenas o suspeito, mas todos os moradores do local. 5.3. Tal compreensão não se traduz, obviamente, em cercear a necessária ação das forças de segurança pública no combate ao tráfico de entorpecentes, muito menos em transformar o domicílio em salvaguarda de criminosos ou em espaço de criminalidade. Há de se convir, no entanto, que só justifica o ingresso policial no domicílio alheio a situação de ocorrência de um crime cuja urgência na sua cessação desautorize o aguardo do momento adequado para, mediante mandado judicial – meio ordinário e seguro para o afastamento do direito à inviolabilidade da morada – legitimar a entrada em residência ou local de abrigo.
6. Já no que toca ao consentimento do morador para o ingresso em sua residência – uma das hipóteses autorizadas pela Constituição da República para o afastamento da inviolabilidade do domicílio – outros países trilharam caminho judicial mais assertivo, ainda que, como aqui, não haja normatização detalhada nas respectivas Constituições e leis, geralmente limitadas a anunciar o direito à inviolabilidade da intimidade domiciliar e as possíveis autorizações para o ingresso alheio.
6.1. Nos Estados Unidos, por exemplo, a par da necessidade do exame da causa provável para a entrada de policiais em domicílio de suspeitos de …