Petição
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DA COMARCA DE CIDADE - UF
Nome Completo, nome social Nome Completo, nacionalidade, estado civil, profissão, portador do Inserir RG e inscrito no Inserir CPF, residente e domiciliado na Inserir Endereço , vêm perante este juízo, por intermédio de seu advogado e bastante procurador que esta subscreve, ajuizar a presente,
AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE NOME E SEXO C/C PEDIDO DE TUTELA DE EVIDÊNCIA
Pelos fatos e fundamentos elencados a seguir exposto:
I. JUSTIÇA GRATUITA
O Autor requer os benefícios da gratuidade de Justiça, por não auferir renda suficiente para custear a presente demanda sem prejuízo de seu sustento.
I.a SEGREDO DE JUSTIÇA
Requer o autor o processamento do feito em segredo de justiça por se tratar de assunto particular de foro íntimo relacionado à sua personalidade o qual traria prejuízos se fosse exposta à publicidade processual.
II. SÍNTESE DA INICIAL
O Autor é transexual. Nasceu com o sexo fisiológico masculino, mas cresceu e se desenvolveu como mulher, com hábitos, reações e aspecto físico tipicamente femininos, de modo que isso acaba por gerar conflito entre seu sexo fisiológico e sua própria psique totalmente feminina. O Autor apresenta o fenótipo preponderantemente feminino, incluindo-se a voz e os seios, entre outros caracteres femininos, desenvolvidos com o auxílio de hormônios ingeridos, ainda na adolescência.
O nome masculino Informação Omitida, registrado em sua certidão de nascimento e carteira de identidade lhe provocam grandes transtornos, já que não condizem com sua atual aparência completamente feminina.
Atualmente, o Autor trabalha no Informação Omitida, onde seu papel principal é o atendimento ao público além de ter sido candidato à Informação Omitida na comarca da cidade de Informação Omitida, socialmente conhecido como Informação Omitida, conforme conta na documentação que segue em anexo.
A divergência entre o nome que consta no registro civil e apelido público e notório pelo qual é conhecido no ambiente social vêm lhe causando diversos transtornos, que vão desde ser tratado como homossexual a ser tratado como homem nas relações sociais, profissionais e comerciais, quando assim não se sente. Além disso, sempre que o Autor tem seu nome masculino revelado, passa frequentemente a ser alvo de repressões homofóbicas ou no mínimo causando constrangimentos desnecessários que vão contra a dignidade humana.
Deste modo, busca-se que seja dado provimento judicial para a regularização de seu nome social nos documentos civis, a fim de que haja a completa correspondência entre os mesmos e a realidade dos fatos da sua vida pública e notória.
III. – ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA
III.1 – DO PEDIDO DE RATIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL
Não existe na Lei de Registros Públicos vedação à pretensão do Autor, ao contrário, o parágrafo único do artigo 55 da Lei 6.015/73 determina que os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Vejamos:
Art. 55. Quando o declarante não indicar o nome completo, o oficial lançará adiante do prenome escolhido o nome do pai, e na falta, o da mãe, se forem conhecidos e não o impedir a condição de ilegitimidade, salvo reconhecimento no ato.
Parágrafo único. Os oficiais do registro civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores. Quando os pais não se conformarem com a recusa do oficial, este submeterá por escrito o caso, independente da cobrança de quaisquer emolumentos, à decisão do Juiz competente.
Conforme literatura médica, o(a) transexual experimenta a insustentável condição de nascer com cromossomos, genitais e hormônios de um sexo, mas com a convicção íntima de pertencer ao gênero oposto. Repudia esse legado, vivendo um estranhamento em relação ao próprio corpo, o que desencadeia grande frustração e desconforto, rejeição ao sexo biológico, bem como tentativa de automutilação e até mesmo de autoextermínio.
Os psiquiatras explicam que os transexuais não são pessoas de um sexo que desejam se tornar de outro sexo; psicologicamente eles já são do sexo oposto ao biológico, o que gera o transtorno de identidade sexual, incluído na 10ª Versão da Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde, catálogo conhecido como CID-10.
Fechar os olhos a esta realidade, que é reconhecida pela própria medicina, implicaria infração ao princípio da dignidade da pessoa humana, norma esculpida no inciso III do artigo 1º da Constituição Federal.
Vale lembrar que a alteração do prenome é possível sempre que se encontram em jogo outros valores mais relevantes que o princípio da imutabilidade. Nesse contexto, a Lei de Proteção à Testemunha (Lei 9.807/99), por exemplo, prevê no artigo 9 a possibilidade de alteração do nome, quando a integridade física dessas pessoas se encontra em risco.
Está claro, portanto, que o princípio da imutabilidade não merece prevalecer em casos excepcionais, em que se verifique justo motivo, como, por exemplo, na presente situação em que a requerente é vítima de diversos episódios constrangedores, gerados em razão do nome masculino em seus documentos, face à sua aparência e comportamento femininos.
A afirmação da identidade sexual, compreendida pela identidade humana, encerra a realização da dignidade, no que tange à possibilidade de expressar todos os atributos e características do gênero imanente a cada pessoa. Para o transexual, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica psicossocial, a refletir a verdade real por ele vivenciada e que se reflete na sociedade.
Em relação à alteração do sexo e nome nos casos de transexualismo, assim leciona a Ilustre Doutrinadora Maria Berenice Dias:
(…) É vetado, salvo prova de erro ou falsidade, vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento (CC 1.064). Tais restrições legais sempre serviram de obstáculo à pretensão dos transexuais de alterar o nome e a identidade sexual. No entanto, vem a jurisprudência, em respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, admitindo a adequação do registro e autorizando tais mudanças. Mesmo antes da realização da cirurgia, é possível a alteração do nome e da identidade sexual (…) (DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2009, p. 136).
Para corroborar com o argumento de que a doutrina e a jurisprudência pátria mais moderna vêm ampliando e abrandando a interpretação da norma, conferindo-lhe adequação aos fins sociais a que se destina, trazemos à colação o seguinte julgado:
Direito civil. Recurso especial. Transexual submetido à cirurgia de redesignação sexual. Alteração do prenome e designativo de sexo. Princípio da dignidade da pessoa humana. – Sob a perspectiva dos princípios da Bioética de beneficência, autonomia e justiça , a dignidade da pessoa humana deve ser resguardada, em um âmbito de tolerância, para que a mitigação do sofrimento humano possa ser o sustentáculo de decisões judiciais, no sentido de salvaguardar o bem supremo e foco principal do Direito: o ser humano em sua integridade física, psicológica, socioambiental e ético-espiritual.
- A afirmação da identidade sexual, compreendida pela identidade humana, encerra a realização da dignidade, no que tange à possibilidade de expressar todos os atributos e características do gênero imanente a cada pessoa. Para o transexual, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica psicossocial, a refletir a verdade real por ele vivenciada e que se reflete na sociedade.
[…]
– Vetar a alteração do prenome do transexual redesignado corresponderia a mantê-lo em uma insustentável posição de angústia, incerteza e conflitos, que inegavelmente atinge a dignidade da pessoa humana assegurada pela Constituição Federal. No caso, a possibilidade de uma vida digna para o recorrente depende da alteração solicitada. E, tendo em vista que o autor vem utilizando o prenome feminino constante da inicial, para se identificar, razoável a sua adoção no assento de nascimento, seguido do sobrenome familiar, conforme dispõe o art. 58 da Lei n.º 6.015/73 […](REsp. n. 1.008.398-SP. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julg. Em 15.10.2009).
Embora o caso citado se trate de alteração de nome e sexo após a realização de cirurgia de redesignação sexual, os seus fundamentos encontram lastro no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, visando adequar a identidade civil da parte requerente à sua realidade psíquica e social.
Em nenhum momento há menção à necessidade de realização do procedimento cirúrgico para deferimento do pedido. Ao contrário, o que se demonstra é que a existência desta alteração física é um fato que se soma às mudanças já ocorridas em sua realidade psíquica e social para que haja uma adequação da identidade sexual da parte requerente. Especificamente sobre situações análogas à do Autor, diversos são os precedentes em que o Poder Judiciário deferiu a alteração do nome e sexo do(a) transexual antes da realização da cirurgia. Em que pese a dificuldade de pesquisa jurisprudencial, notadamente em razão do segredo de justiça, geralmente requerido nesses casos, seguem abaixo algumas decisões que corroboram com as alegações do Autor:
Santa Catarina – AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. MUDANÇA DO PRENOME E GÊNERO FEMININO PARA MASCULINO. PARTE AUTORA QUE POSSUI TODOS OS ATRIBUTOS FÍSICOS DE PESSOA DO SEXO MASCULINO. ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO DESDE FEVEREIRO DE 2008. REALIZAÇÃO DE CIRURGIA PARA RETIRADA DAS MAMAS NO MESMO ANO. FOTOGRAFIAS QUE COMPROVAM AS SUAS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS TIPICAMENTE MASCULINAS. IDENTIDADE SEXUAL QUE DEVE REFLETIR A VERDADE VIVENCIADA E QUE SE REFLETE NA SOCIEDADE. SOBRESTAMENTO DO PROCESSO PARA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA DE MUDANÇA DE SEXO. INVIABILIDADE. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. CONFLITO DE PRINCÍPIOS. ADOÇÃO NO CASO CONCRETO DAQUELE QUE SOBRESSAI POR SUA RELEVÂNCIA. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. QUESTÃO DE INTERESSE EXISTENCIAL. DIRETO DO APELADO VIVER DIGNAMENTE, EXERCENDO COM AMPLITUDE SEUS DIREITOS CIVIS, SEM RESTRIÇÕES DE CUNHO DISCRIMINATÓRIO. SALVAGUARDA DO SER HUMANO EM TODA A SUA DIMENSÃO (INTEGRIDADE FÍSICA, PSICOLÓGICA E SOCIAL). POSSIBILIDADE DE VIDA DIGNA QUE DEPENDE DA ALTERAÇÃO SOLICITADA. MITIGAÇÃO DA NORMA QUE VEDA A ALTERAÇÃO DO PRENOME. OBSERVÂNCIA DA FINALIDADE SOCIAL DA LEI QUE É A PACIFICAÇÃO DE CONFLITOS. DIREITO CONSAGRADO À LIBERDADE DO SER HUMANO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. (TJSC. AC n. 2011.034720-1, Rio do Sul. Rel. Saul Steil. Julg. Em 23.08.2011).
Rio de Janeiro – Agravo de instrumento. Ação em que se pleiteia a alteração de nome e sexo em assento de nascimento. Insurgência contra a decisão que determinou a suspensão do processo até a data marcada para a realização da cirurgia de transgenitalização. Acerto da decisão recorrida quanto à modificação de sexo no registro. Possibilidade de antecipação da tutela no tocante à mudança do prenome, passando a se adotar no registro o nome social do requerente. Art. 273, § 6º, do CPC. Parecer subscrito por dois peritos a confirmar que o requerente é social e profissionalmente reconhecido como mulher. Identidade social em conflito …