Modelo de Alegações Finais | Furto | Princípio da Insignificância | Acusado da prática de crime de furto de equipamento de medição de corrente elétrica requer a absolvição pela aplicação do princípio da insignificância.
É possível pedir absolvição por furto com base na insignificância?
Sim — e esse é um dos principais caminhos defensivos quando o fato é formalmente típico, mas materialmente irrelevante. Quando o valor da res furtiva é irrisório e a conduta revela um reduzidíssimo grau de reprovabilidade, a jurisprudência admite a insignificância como causa de exclusão da tipicidade material.
Essa construção se aplica mesmo diante de maus antecedentes ou reincidência, se o contexto for excepcional. No caso abaixo, por exemplo, mesmo com reincidência específica, o STJ reconheceu a atipicidade da conduta:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FURTO SIMPLES. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA E MAUS ANTECEDENTES. VALOR DA RES FURTIVA INFERIOR A 10% DO SALÁRIO MÍNIMO VIGENTE À ÉPOCA DO FATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO. POSSIBILIDADE. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. REDUZIDÍSSIMO GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. In casu, o furto simples de 1 vidro de perfume, 1 mochila, 1 molho de chaves e diversos remédios, avaliados em aproximadamente R$ 60,00, valor esse que é equivalente a cerca de 6,3% do salário-mínimo vigente na época do fato, dado o reduzidíssimo grau de reprovabilidade da conduta, traz excepcionalidade que autoriza o reconhecimento da atipicidade material , mesmo diante dos maus antecedentes e da reincidência específica do Réu. 2. Agravo regimental desprovido.
(Agravo Regimental No Agravo Em Recurso Especial, N° 202203667591, T6 - Sexta Turma, STJ, Relator: Ministra Laurita Vaz, Data de Publicação 15/05/2023)
Nesses casos, o defensor público ou advogado deve estruturar a tese com base em dados objetivos — valor do bem, ausência de violência, recuperação da coisa —, com pedido expresso de absolvição nos memoriais finais ou na apelação criminal, com fulcro no artigo 386, III do Código de Processo Penal:
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
[...]
III - não constituir o fato infração penal;
O furto de bem de valor ínfimo configura lesão jurídica relevante?
Não necessariamente. A resposta exige verificação concreta do caso. Se a conduta apresenta mínima ofensividade da conduta e o bem não compromete o patrimônio da vítima de modo relevante, a inexpressividade da lesão jurídica pode justificar a absolvição com base no princípio da insignificância.
Veja o que decidiu o TJMG:
INSIGNIFICÂNCIA - PRESENÇA DOS VETORES QUE LEGITIMAM O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - RECONHECIMENTO - POSSIBILIDADE - ABSOLVIÇÃO DECRETADA. Segundo reiterada jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. Logo, ao agente primário e não processado por porte de munição em concurso com outros delitos, bem como detido portando irrisória quantidade de munição desacompanhada de armamento capaz de deflagrá-la, tem-se que todas essas circunstâncias conjugadas denotam a inexpressividade da lesão jurídica provocada, devendo ser reconhecida a atipicidade da conduta.
(Apelação Criminal, N° 1.0000.23.125767-6/001, 3ª Câmara Criminal, TJMG, Relator: Fortuna Grion, Data de julgamento: 07/08/2023)
Na prática, a acusação por furto de um aparelho celular antigo, de valor ínfimo ou inutilizado, por exemplo, pode ser enfrentada com base nesses quatro vetores. E é fundamental deixar claro ao juiz que a atuação penal, aqui, fere o princípio da intervenção mínima do direito penal, e desvirtua sua função social.
A insignificância pode ser aplicada mesmo com antecedentes?
Depende do contexto — e é justamente aí que entra o papel técnico da defesa. A insignificância não é automaticamente afastada por antecedentes, mas sim quando esses antecedentes, somados à conduta atual, revelam um perfil de reiteração delitiva que compromete a aplicabilidade da tese.
No caso julgado pela 3ª Câmara Criminal do TJMG, mesmo sendo pequeno o valor subtraído, o tribunal entendeu que havia “intensa periculosidade social e reprovabilidade da conduta”, porque os acusados já eram reincidentes específicos no mesmo delito e furtavam como meio de vida. Ou seja: o critério foi qualitativo, e não simplesmente numérico.
APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO SIMPLES - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - APLICABILIDADE. Presentes os requisitos da "mínima ofensividade da conduta"; "nenhuma periculosidade social da ação"; "reduzido grau de reprovabilidade do comportamento" e "inexpressividade da lesão jurídica provocada", deve ser aplicado o "princípio da insignificância", com reconhecimento da atipicidade do fato. V.V. APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - RECONHECIMENTO - IMPOSSIBILIDADE - PERICULOSIDADE SOCIAL E REPROVABILIDADE DA CONDUTA - VERIFICAÇÃO. É formal e materialmente atípica a conduta do agente que, sendo portador de plurais antecedentes negativos pelo mesmo crime, subtrai coisa alheia móvel, ainda que de pequeno valor, em condições tais que revela ser esse o seu meio de vida, o que atrai intensa periculosidade social e reprovabilidade à sua conduta. (Apelação Criminal, N° 1.0000.22.296390-2/001, 3ª Câmara Criminal, TJMG, Relator: Maria Luíza De Marilac, 20/03/2023)
Do ponto de vista da defesa, o desafio é demonstrar, na apresentação dos memoriais, que mesmo diante de passagens anteriores, a conduta atual é isolada, de ínfima relevância, e que não há elemento concreto de risco à ordem pública. Ou seja, o foco deve estar na conduta em si — e não no histórico — sob pena de se inverter a lógica da segurança jurídica e transformar antecedentes em prova automática de tipicidade.
Como demonstrar a atipicidade em caso de furto de item de pequeno valor?
A insignificância deve ser sustentada com base técnica, objetiva e estratégica — especialmente quando o bem subtraído tem valor irrisório e foi devolvido sem qualquer dano ou prejuízo. Um exemplo paradigmático é o do TJGO, que reconheceu a atipicidade material de furto de chocolate, com valor total inferior a R$ 60,00, restituído de forma integral à vítima:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME DE FURTO SIMPLES. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. INSIGNIFICÂNCIA PENAL. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A AÇÃO PENAL. A conduta do denunciado de subtrair para si, sem o emprego de violência ou grave ameaça, 08 (oito) barras de chocolate, avaliadas em R$ 59,20 (cinquenta e nove reais e vinte centavos), integralmente restituídas à vítima, destituída a conduta de expressiva ofensividade, não podendo o ser considerado socialmente perigoso, primário, conduz ao reconhecimento da atipicidade material do comportamento correspondente ao art. 155, caput, do Código Penal Brasileiro, razão para a rejeição da peça acusatória. RECURSO DESPROVIDO. (240228-45.2016.8.09.0002 - Recurso Em Sentido Estrito, N° 2402284520168090002, 2a Camara Criminal, TJGO, Relator: Des. Luiz Claudio Veiga Braga, 01/10/2018)
Assim, para que a conduta seja penalmente relevante, é preciso que o fato possua potencial lesivo real, o que não se verifica em furtos de valor irrisório, como o de um chocolate, por exemplo, especialmente quando não há violência, uso de arma de fogo ou qualquer agravante.
O laudo pericial pode ser útil aqui, inclusive para comprovar o valor do bem e reforçar o argumento da inexpressividade da lesão jurídica.
Assim, no decorrer da instrução, a defesa deve direcionar sua atuação para demonstrar que a conduta:
-
não gerou abalo ao estabelecimento comercial;
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não causou dano efetivo à vítima;
-
não possui carga de ameaça à ordem pública;
-
e que o direito público, especialmente no âmbito penal, não pode ser acionado como ferramenta simbólica de repressão.
A sentença que ignora esses pontos desrespeita o princípio da intervenção mínima, e a resposta adequada é a absolvição, com base nos próprios fundamentos constitucionais de razoabilidade e dignidade da justiça penal.
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