Procuração
Atualizado 24/03/2025
5 min. de leitura
A procuração é o instrumento jurídico pelo qual que as pessoas constituem um procurador - seja ele um advogado ou qualquer outro representante.
Ao longo de 20 anos de prática jurídica, presenciamos inúmeros casos de erros em procurações que comprometeram desde a validade de um negócio jurídico até o recebimento de honorários advocatícios.
Erros simples, como ausência de poderes específicos ou vício de forma, já foram suficientes para inviabilizar atos relevantes, causar prejuízos financeiros e até mesmo anular atos processuais.
A procuração é, portanto, muito mais do que um mero documento formal: ela é o alicerce jurídico da representação de vontades e interesses de terceiros, sendo essencial que o advogado saiba elaborá-la com segurança e atenção aos detalhes.
Vamos então entender quais as características e requisitos de uma procuração, e como fazer uma procuração sem erros — especialmente nos tempos atuais, em que ferramentas como e-processos, portais digitais e sistemas de peticionamento eletrônico demandam atenção redobrada.
O que é uma procuração?
A procuração é um documento jurídico pelo qual alguém concede poderes de representação a outrem.
Essa relação jurídica forma o chamado mandato, previsto no Código Civil (arts. 653 a 692), e autoriza o procurador a agir em nome do outorgante, dentro dos limites expressamente indicados no documento.
Pela procuração, uma pessoa — física ou jurídica — permite que outra pessoa atue em seu nome, podendo, por exemplo:
-
Assinar documentos;
-
Comprar ou vender bens — imóveis, veículos, etc.;
-
Ingressar com um processo administrativo ou judicial;
-
Abrir conta em banco;
-
Receber valores em seu nome, entre outras atribuições.
A amplitude dos poderes outorgados dependerá da vontade do mandante e da clareza na redação do instrumento, sendo altamente recomendável que a solicitação de procuração pelo advogado seja precedida de uma orientação clara acerca dos poderes que estão sendo outorgados.
Qual a previsão legal da procuração?
A procuração está prevista no Art. 653 e seguintes do Código Civil:
Art. 653. Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.
Art. 654. Todas as pessoas capazes são aptas para dar procuração mediante instrumento particular, que valerá desde que tenha a assinatura do outorgante.
§1 O instrumento particular deve conter a indicação do lugar onde foi passado, a qualificação do outorgante e do outorgado, a data e o objetivo da outorga com a designação e a extensão dos poderes conferidos.
§2º O terceiro com quem o mandatário tratar poderá exigir que a procuração traga a firma reconhecida.
Art. 655. Ainda quando se outorgue mandato por instrumento público, pode substabelecer-se mediante instrumento particular.
Já a procuração para um advogado atuar em um processo judicial está prevista no Art. 105 do Novo CPC:
Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.
§ 1º A procuração pode ser assinada digitalmente, na forma da lei.
§ 2º A procuração deverá conter o nome do advogado, seu número de inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil e endereço completo.
§ 3º Se o outorgado integrar sociedade de advogados, a procuração também deverá conter o nome dessa, seu número de registro na Ordem dos Advogados do Brasil e endereço completo.
§ 4º Salvo disposição expressa em sentido contrário constante do próprio instrumento, a procuração outorgada na fase de conhecimento é eficaz para todas as fases do processo, inclusive para o cumprimento de sentença.
Como fazer uma procuração?
Uma procuração pode ser feita de diversas formas, partindo sempre do princípio da escrita e da especificação clara dos poderes concedidos.
Os formatos mais comuns são:
-
Procuração física: redigida em papel, com assinatura manuscrita; pode ser reconhecida em cartório, a depender da exigência do órgão ou instituição.
-
Procuração eletrônica: pode ser elaborada em PDF e assinada com certificados digitais (como o Gov.br nível ouro ou certificados ICP-Brasil), sendo amplamente aceita nos portais eletrônicos da Justiça, especialmente com a crescente digitalização do Judiciário (e-processo, PJe, e-SAJ, Projudi etc.).
Atenção: alguns portais exigem que a procuração seja juntada de forma separada e assinada digitalmente, conforme as regras de operação do sistema.
É sempre prudente consultar o manual do portal antes de protocolar a peça.
O que deve conter em uma procuração?
A validade e eficácia da procuração dependem da presença de informações essenciais, a saber:
Qualificação completa:
Outorgante: nome, CPF ou CNPJ, estado civil, profissão e endereço;
Outorgado: idem. Se for advogado, incluir o número de inscrição na OAB e a seccional.
Poderes outorgados:
Específicos: detalham com precisão o ato autorizado, como vender um imóvel identificado ou receber valores de processo “X”.
Gerais: autorizam o procurador a praticar atos de gestão em nome do mandante, com escopo mais abrangente, porém sempre interpretados de forma restritiva.
Condições de uso:
Pode incluir cláusulas como data de início da vigência, limitação geográfica, vinculação a determinado processo ou órgão.
Prazo de validade:
A ausência de prazo não invalida o mandato, mas pode gerar insegurança jurídica. Recomenda-se definir um prazo, mesmo que renovável.
Substabelecimento:
Deve indicar se o outorgado pode ou não substabelecer os poderes a terceiros.
Quando com reserva de poderes, o advogado permanece apto a atuar; sem reserva, transfere totalmente a representação.
Esses cuidados são ainda mais importantes na atuação profissional por meio de portais de peticionamento eletrônico — pois a falta de qualquer desses elementos pode resultar no indeferimento da petição inicial por ausência de poderes para agir em nome da parte.
Quais são os tipos de procuração?
Existem dois tipos de procuração:
-
Procuração por instrumento público: é aquela feita perante o cartório de documentos, com a presença do outorgante, tendo fé pública;
-
Procuração por instrumento particular: é feita fora do cartório, podendo ou não ter firma reconhecida - neste caso, alguns órgãos públicos podem não aceitar o documento.
Atenção: para constituir um advogado, a procuração pode ser feita por instrumento particular, sem firma reconhecida - pois o Art. 5º da Lei nº. 8.906/94 não contém a previsão de reconhecimento de firma.
O que não pode ser feito em uma procuração?
Há certos atos que são personalíssimos e, portanto, intransferíveis por procuração, tais como:
-
Fazer testamento (exceto o testamento cerrado, que admite intervenção de terceiros na lavratura, mas não na vontade);
-
Prestar serviço militar;
-
Exercer cargo público;
-
Doar órgãos;
-
Renunciar direitos da personalidade, como o direito à imagem.
Por outro lado, há atos surpreendentemente possíveis por procuração, como o casamento por procuração, previsto no art. 1.542 do Código Civil, desde que o instrumento seja lavrado por instrumento público e contenha poderes expressos.
Como fazer uma boa procuração?
Uma boa procuração deve, antes de tudo, ser clara e objetiva. Isso significa evitar termos genéricos, expressões ambíguas ou fórmulas que possam dar margem a diferentes interpretações.
A linguagem utilizada deve ser direta, técnica e juridicamente adequada ao ato que se pretende realizar, permitindo que qualquer pessoa — inclusive o servidor público que analisará o documento — compreenda com exatidão os poderes que estão sendo outorgados.
Além disso, a procuração deve ser bem estruturada, contendo todos os elementos essenciais para sua validade e eficácia. Isso inclui a qualificação completa do outorgante e do outorgado, bem como a descrição minuciosa dos poderes conferidos, sejam eles específicos ou gerais. Outro ponto fundamental é a indicação expressa quanto à possibilidade — ou não — de substabelecimento dos poderes, o que evita discussões futuras sobre a extensão da representação.
No cenário atual, marcado pela tramitação digital de processos e pela utilização crescente de portais eletrônicos, é imprescindível que a procuração esteja adequada ao meio eletrônico.
Isso envolve a elaboração do documento em formato PDF, sua assinatura com certificados digitais compatíveis (como Gov.br ou ICP-Brasil), e o cumprimento das exigências técnicas dos sistemas de peticionamento eletrônico dos Tribunais ou órgãos administrativos. Uma procuração incompatível com essas plataformas pode resultar em indeferimento ou rejeição da peça processual.
Por fim, quando o outorgante for uma pessoa jurídica, é indispensável apresentar a documentação que comprove os poderes de representação daquele que firma a procuração em nome da empresa.
Em geral, essa comprovação se dá por meio do contrato social, estatuto ou ata de assembleia que indique a legitimidade do representante legal.
O cuidado com esse detalhe é essencial para garantir a validade da outorga e evitar impugnações por parte da autoridade que analisará o instrumento.
Como revogar uma procuração?
A revogação de uma procuração pode ser feita a qualquer tempo, desde que o outorgante manifeste expressamente sua vontade.
O primeiro passo é formalizar um pedido de cancelamento da procuração anteriormente concedida, indicando com clareza a informação completa sobre o instrumento a ser revogado — como data, partes envolvidas e os poderes originalmente outorgados.
Na maioria dos casos, esse pedido pode ser feito diretamente pelo site da instituição ou órgão onde a procuração está registrada ou sendo utilizada.
Por exemplo, se a procuração foi cadastrada no sistema da Receita Federal, é possível acessar o portal e-CAC, selecionar a opção correspondente à solicitação de procuração, e realizar o cancelamento de forma eletrônica, por meio da funcionalidade disponível na caixa de entrada do contribuinte.
Da mesma forma, nos sistemas de peticionamento eletrônico da Justiça, é possível substituir ou revogar procurações já juntadas aos autos, mediante petição simples informando a revogação.
É importante, contudo, inserir uma observação no novo instrumento ou na petição de revogação, deixando claro que a procuração anterior está sendo revogada para evitar qualquer confusão ou dupla utilização.
Em alguns casos, recomenda-se também notificar o procurador revogado e os terceiros que possam ser afetados, garantindo que todos tenham ciência da revogação, especialmente quando se tratar de atos em andamento.
Em síntese, a revogação exige um procedimento simples, mas que deve ser feito com atenção e formalidade, principalmente quando a procuração foi registrada publicamente ou está sendo usada em processos judiciais ou administrativos.
Conclusão
Em anos de exercício da advocacia, percebemos que a procuração é um documento equivocadamente menosprezado por muitos advogados — que confiam apenas no art. 105 do CPC e esquecem que alguns poderes precisam estar expressamente previstos, como o poder de receber e dar quitação de valores, ou o poder de firmar acordos.
Na era digital, em que processos tramitam via portais e plataformas como o e-SAJ, PJe, Projudi, e-CAC, SEI, e outros, a atenção ao detalhe e à política de privacidade e segurança das plataformas é imprescindível.
Cada sistema tem regras próprias de aceitação de documentos, sendo dever do procurador adaptar-se às normas de operação do portal onde atua.
Por isso, um bom advogado deve dominar a técnica da procuração, compreendendo suas limitações, sua função jurídica e, principalmente, seus impactos diretos na atuação profissional.
Mais conteúdo jurídico
Fluxograma e modelos sobreo Art. 319 do CPC.
Fluxograma e modelos sobre a ação de arbitramento de honorários.
Fluxograma e modelos sobre a ação ordinária.
Conheça também nossa INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL!
