Direito do Trabalho

TRT4. DOENÇA OCUPACIONAL. TENDINITE DO SUPRAESPINHAL. NEXO DE CONCAUSALIDADE. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. TRABALHO COMO CONCAUSA. ELEMENTOS DE CONVICÇÃO QUE CO…

Atualizado 21/08/2015

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TRT4. DOENÇA OCUPACIONAL. TENDINITE DO SUPRAESPINHAL. NEXO DE CONCAUSALIDADE. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. TRABALHO COMO CONCAUSA. ELEMENTOS DE CONVICÇÃO QUE CO…

PROCESSO: 0000673-12.2013.5.04.0871 RO

 

EMENTA

DOENÇA OCUPACIONAL. TENDINITE DO SUPRAESPINHAL. NEXO DE CONCAUSALIDADE. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. TRABALHO COMO CONCAUSA. ELEMENTOS DE CONVICÇÃO QUE CONFIRMAM AS CONCLUSÕES PERICIAIS. 1. O fato da doença ser de natureza degenerativa não obsta o reconhecimento do nexo de causalidade com o trabalho, se comprovado que a atividade laboral tenha contribuído para o desencadeamento ou agravamento do processo degenerativo, constituindo concausa para o agravo à saúde da vítima, na forma do disposto no art. 21, I, da Lei 8.213/91. 2. A ausência da adoção das medidas previstas nos documentos ambientais obrigatórios (PPP, PPRA, PCMSO, LTCAT, etc.) induz presunção de nexo de causalidade/concausalidade da doença que causou a perda da capacidade laborativa da parte autora. 3. Evidenciado que a doença (tendinite do supraespinhal) que acarretou redução na capacidade laborativa se desenvolveu por motivos relacionados à forma como era prestado o trabalho na empresa ré, impõe-se a responsabilização da empregadora pelo agravo de saúde ocorrido, máxime considerando que a parte autora executava trabalho envolvendo movimentos repetitivos com esforço ao longo da jornada. 4. Conclusões do laudo médico mantidas diante verificação de que o labor repetitivo e a associação de fatores, inclusive os estruturais e posturais, contribuíram, no mínimo, como concausa para a enfermidade, na forma do art. 436 do CPC.

DELITOS AMBIENTAIS TRABALHISTAS. DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE SAÚDE, SEGURANÇA, MEDICINA E HIGIENE DO TRABALHO. A ausência da adoção das medidas previstas nos programas ambientais obrigatórios revela o descaso com as medidas necessárias para preservação da saúde dos trabalhadores, ensejando prejuízo à saúde do trabalhador. Devida a comunicação ao Ministério Público para persecução da tutela coletiva, na forma do art. 7º da Lei 7347/85, posto que a conduta, em tese, enquadra-se como contravenção penal, na forma do art. 19, §2º, da Lei 8213/91 (descumprimento de normas de saúde, segurança, medicina e higiene do trabalho) e art. 132 (crime de perigo), sendo delitos de interesse da União, ante as consequências previdenciárias decorrentos dos ilícitos.  

ACÓRDÃO

por unanimidade, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA RÉ. Por maioria, vencido parcialmente o Exmo. Des. Relator, expeça a Secretaria da Vara de origem os ofícios, após o trânsito em julgado da demanda, na forma da fundamentação. 

RELATÓRIO

Inconformada com a sentença de parcial procedência de fls. 192-197v, recorre a empresa ré.

Nas razões recursais aduzidas às fls. 207-216, pretende a demandada a reforma do julgado no que tange ao reconhecimento de nulidade da sentença por cerceamento da defesa e por ausência de fundamentação quanto aos valores deferidos. No mérito, requer o reconhecimento da ausência de prova do fato constitutivo do direito do autor e a redução dos valores das indenizações deferidas.

Com contrarrazões do autor às fls. 226-228, vêm os autos a esta Corte para julgamento.

Processo não submetido ao exame prévio do Ministério Público. 

VOTO RELATOR

DESEMBARGADOR MARCELO JOSÉ FERLIN D AMBROSO:  

I. MATÉRIA PREJUDICIAL.

1. NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE DEFESA

Insurge-se a ré contra o indeferimento da perícia ergonômica e da juntada de documentos em pen drive, alegando configurado cerceamento de defesa e violação aos arts. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal, art. 794 da CLT, e art. 333, II, do CPC. Refere que a necessidade de tais provas surgiu incidentalmente, após a perícia médica. Afirma que o referido perito reconheceu que deveria ser feito um estudo ergonômico no posto de trabalho do obreiro, confessando-se incompetente nesse aspecto. Aduz que a perícia ergonômica é o único meio de apontar como ocorria a atividade do obreiro, de maneira a provar se havia elevação de braço acima de 90 graus, uma vez que, se não houvesse, não haveria a incapacidade. Alega que a juntada de arquivos em pen drive seria para evidenciar como ocorriam as atividades do autor. Acrescenta que o demandante não levou testemunhas, não tendo, consequentemente, provado suas alegações. Afirma que a testemunha da empresa foi enfática em afastar os fatos tomados pelo perito médico como verdadeiros, tendo afirmado que o autor laborava apenas 2 horas por dia e apenas 4 meses por ano, sem fazer força, na atividade de selagem de embalagens e colagem de etiquetas. Argumenta que o laudo pericial médico é prova eminentemente técnica, não constituindo prova do passado, e, por conseguinte, não sendo hábil para comprovar o modo como as atividades ocorreram. Alega que o perito médico deveria ter comparecido ao local de trabalho do autor. Requer, por fim, seja anulada a sentença e reaberta a instrução para deferir a realização da perícia ergonômica e da juntada do pen drive com vídeo evidenciando a atividade de selar embalagens e colar etiquetas.

Na ata de audiência de instrução foi consignado o seguinte (ata de fl. 190):

    O patrono da reclamada requer a realização de perícia ergonômica o que foi indeferido pelo Juiz por considerar que o laudo médico e laudo complementar já contempla a controvérsia a respeito do nexo causal entre as lesões apresentadas pelo reclamante e o trabalho desenvolvido na reclamada. A reclamada protesta.  

    O patrono da reclamada requer a juntada de arquivos em pen drive nesta oportunidade a fim de verificar a operação de selagem de embalagens, em vídeo, o que resta indeferido devido a preclusão da matéria, considerando que os documentos deveriam ter sido juntados com a defesa ou apresentados ao perito quando da realização do laudo médico e laudo complementar. A reclamada protesta.

O Magistrado de origem, ao sentenciar, assim fundamentou:

    Conforme se verifica na ata de audiência de fl. 190, a reclamada consignou seus protestos diante do indeferimento do juiz pela juntada de "pendrive" aos autos onde deveria constar um vídeo com a demonstração da "operação de selagem das embalagens". Ocorre, entretanto, que se trata de documento produzido unilateralmente pela reclamada, não tendo qualquer valor probatório, uma vez que não há como verificar em que condições esse vídeo foi produzido sem a presença do juiz da causa e da parte contrária.

    Ademais, a juntada de documentos nessa fase processual está preclusa, em não se tratando de documento novo, nos termos do art. 396 do CPC c/c art. 845 da CLT, já que surpreende a parte autora e implicaria no adiamento da audiência de instrução marcada. O prejuízo seria enorme, considerando o deslocamento das partes e testemunhas, bem como a demora significativa no prazo para a entrega da prestação jurisdicional tão aguardada pelas partes.

    A propósito do assunto, aliás, já decidiu o C. TST, verbis: "Não configura cerceamento de defesa o indeferimento da juntada de documentos requerida tardiamente, quando já preclusa a oportunidade. As garantias constitucionais do direito à ampla defesa e ao devido processo legal não eximem o litigante da observância das formalidades e prazos previstos na legislação processual" (RR-168640-51.1997.5.05.0019, 1ª T., Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa, DJ 27.06.2008).

    Ainda, a reclamada protestou pela realização de perícia ergonômica no(fl. 190), o que também foi indeferido pelo juízo. Não obstante as partes tenham o direito de produzir provas, o requerimento da reclamada é descabido, eis que se trata de medida procrastinatória, uma vez que foram realizadas perícias de insalubridade e médica, bem como o laudo médico complementar. Diante disso, e ainda considerando outros documentos já trazidos aos autos, reputo que há elementos suficientes para o deslinde da controvérsia, de forma que o juiz está autorizado a indeferir a prova pericial desnecessária, conforme o CPC:

    Art. 420. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.

    Parágrafo único – O juiz indeferirá a perícia quando:

    II – for desnecessária em vista de outras provas produzidas;

    Diante disso, mantenho a decisão que indeferiu o pedido de juntada de "pen drive" em audiência de instrução e também da realização de perícia ergonômica (fl. 190), considerando a preclusão ocorrida e, ainda, pelos elementos já trazidos ao processo e que permitem ao juízo deliberar sobre a utilidade da prova requerida pela reclamada. Por derradeiro, diga-se que aconduta do Magistrado está amparada nos arts. 125, inc. I e 130 do CPC, bem como no art 765 da CLT, não havendo que se cogitar de cerceamento ao direito de defesa ou ao direito de contraditório pelas razões acima. Prossigo.

Foram realizadas perícia técnica para verificação de insalubridade (laudo às fls. 140/142) e perícia médica (laudo às fls. 144/156, complementado às fls. 171/173) para avaliação da doença alegada, ambas determinadas em ata de audiência de fl. 38.

Analiso.

O art. 795 da CLT estabelece que "as nulidades não serão declaradas senão mediante provocação das partes, as quais deverão arguí-las à primeira vez em que tiverem de falar em audiência ou nos autos". O dispositivo em apreço consagra o princípio da convalidação, segundo o qual "se as nulidades não forem invocadas no momento processual oportuno, haverá a convalidação do ato inválido, também chamada pela doutrina de preclusão de se invocar a nulidade" (SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 356).

Nesta senda, como ensina o citado doutrinador:

    "Diante do que preconiza o art. 795 da CLT já é prática costumeira incorporada ao Processo do Trabalho pela doutrina e jurisprudência, o chamado protesto, que tem suporte na interpretação sistemática dos arts. 794 e 795 da CLT, a fim de se evitar a preclusão das nulidades processuais. Desse modo, havendo uma decisão proferida no curso do processo que cause prejuízo à parte, mas não pode ser recorrível de imediato, a parte lesada deve registrar os protestos a fim de evitar a preclusão da questão e eventual convalidação da nulidade" (op. cit., p. 357).

No caso, analisando os autos, constato ter agido corretamente o Magistrado singular, seja quanto ao indeferimento de perícia ergonômica bem como da juntada de documentos em pen drive (sendo importante destacar que tais pedidos foram formulados tão somente em audiência de prosseguimento, conforme ata de fl. 190), restando satisfatório o conjunto probatório existente, sem configurar o alegado cerceamento de defesa.

Ademais, analisando os documentos anexados ao feito, verifico que o laudo pericial (fls. 144/156, complementado às fls. 171/173) é suficientemente claro, tendo sido elaborado a partir das informações consignadas pelo próprio autor quando da sua anamnese.

Ora, cabe ao juiz, como destinatário da prova, determinar aquelas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias, nos termos do art. 130 do CPC.

Destarte, a pretensão da demandada revela-se manifestamente improcedente, pois, consoante entendimento jurisprudencial dominante nesta 2ª Turma, não há cogitar de nulidade processual decorrente do indeferimento da realização de nova perícia (ergonômica), para complementação do laudo já elaborado, quando a inspeção pericial foi devidamente realizada e os elementos constantes dos autos se revelam hábeis à formação do convencimento do julgador:

    CERCEAMENTO DE DEFESA. COMPLEMENTAÇÃO DO LAUDO PERICIAL. Não há cerceamento de defesa no indeferimento da complementação da prova pericial, na medida em que suficientemente instruídos os autos para análise da controvérsia. A inspeção pericial foi devidamente realizada, resultando em prova hábil a elucidar a questão da existência ou não de periculosidade e/ou insalubridade nas atividades do demandante. (TRT da 04ª Região, 2a. Turma, 0000632-73.2012.5.04.0291 RO, em 15/05/2014, Desembargador Marcelo José Ferlin D Ambroso – Relator. Participaram do julgamento: Desembargador Alexandre Corrêa da Cruz, Desembargadora Tânia Regina Silva Reckziegel)

    CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PERÍCIA MÉDICA. INOCORRÊNCIA. A Magistrada de origem, ao indeferir a produção de perícia médica, posicionando-se no sentido de que a realização da prova pericial durante a tramitação do processo não seria capaz de avaliar a aptidão para o trabalho à época da despedida, considerando que o pedido de realização da perícia ocorreu praticamente um ano após o momento processual mais adequado para a requisição desta prova, agiu em consonância das regras processuais. Cabe ao juiz, como destinatário da prova, determinar as diligências que entende necessárias à instrução do processo, indeferindo as provas que considerar inúteis ou meramente protelatórias, nos termos do art. 130 do CPC ("caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias"). Cerceamento de defesa rejeitado. (TRT da 04ª Região, 2a. Turma, 0000625-37.2011.5.04.0026 RO, em 22/05/2014, Desembargador Marcelo José Ferlin D Ambroso – Relator. Participaram do julgamento: Desembargadora Tânia Rosa Maciel de Oliveira, Desembargador Alexandre Corrêa da Cruz)

No que tange ao pedido de juntada de documentos via pen drive, nada a reparar na decisão que indeferiu o pleito, na medida em que estes deveriam ter acompanhado a defesa (arts. 300 a 303, CPC), momento oportuno para a prova de suas alegações, não sendo possível a sua juntada extemporânea. Por demasia, saliente-se que a juntada de documentos em audiência de instrução deve ser vista como medida de exceção, sob o crivo do Juízo, a quem cabe a direção do processo, conforme art. 765 da CLT.

Assim, e porque não caracterizado o cerceamento de defesa alegado, nego provimento ao recurso no tópico.

2. NULIDADE DA SENTENÇA POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO

A recorrente argumenta que o Juízo de origem deferiu uma indenização de R$15.000,00 sem definir quanto corresponderia aos lucros cessantes e quanto se destinaria à indenização pelo tratamento. Acrescenta que não foi determinado o tipo de tratamento e a quantidade de tempo necessária para tanto, além de não fundamentar de que forma o obreiro estaria sofrendo de lucros cessantes. Requer, sucessivamente, caso não superada a preliminar anterior, seja reconhecida a nulidade da sentença, determinando que o Juízo de piso prolate nova decisão, fundamentando de maneira adequada, forte nos arts. 93, IX da CF e 458 do CPC.

O Juízo sentenciante, no tópico abordado, assim determinou:

    Considerando o salário mensal que recebido pelo reclamante (fl. 56), bem como a incapacidade parcial e temporária retratada nos autos (fl. 149), o custeio do tratamento médico ao qual deverá ser submetido, o que implicará em afastamento de suas atividades para fins de tratamento das lesões apresentadas, e considerando ainda a possibilidade de sua recuperação para o trabalho, arbitro o valor da indenização a título de danos materiais, o que engloba lucros cessantes e danos emergentes, no importe de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), o que deverá ser pago pela ré na forma de parcela única.

Examino.

Primeiramente, consigno que deveria a parte recorrente ter oposto os competentes embargos de declaração, caso constatada a necessidade de esclarecimentos acerca dos fundamentos da sentença, restando preclusa a discussão.

De resto, a sentença encontra-se bem fundamentada, não havendo falar em nulidade. A falta de individualização dos valores arbitrados a título de indenização por danos materiais não leva à nulidade do julgado, porquanto o Magistrado fixou o valor de forma conjunta, contemplando a indenização pelos lucros cessantes e danos emergentes.

Aliás, o valor fixado na origem levou em consideração o salário mensal percebido pelo autor (fl. 56), sua incapacidade parcial e temporária retratada nos autos (fl. 149) e o custeio do tratamento médico ao qual deverá ser submetido, não havendo falar, em absoluto, em falta de fundamentação.

Isto posto, nego provimento ao recurso no tópico.

II. MÉRITO

1. AUSÊNCIA DE PROVA DE FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO ALEGADO. DESRESPEITO AO ART. 333, I DO CPC.

A sentença de origem restou assim fundamentada, no aspecto:

    Conforme visto acima, o reclamante apresenta-se acometida de doença ocupacional que é equiparada, nos termos do art. 20 da Lei nº 8.213/91 ao acidente de trabalho, razão pela qual se verifica deliberar acerca da responsabilidade civil da empresa.

    Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

    I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

    II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inc. I.

    No caso do reclamante, a moléstia comprovada nos autos assume as características de doença desenvolvida pelo trabalho que realizava. De acordo com JOSÉ AFFONSO DALLEGRAVE NETO, "as doenças do trabalho, também denominadas mesopatias, não têm no serviço executado a causa única ou exclusiva, mas são adquiridas em razão das condições especiais em que o trabalho é realizado. São patologias comuns, porém, excepcionalmente, a execução do trabalho em condições irregulares ou nocivas contribui diretamente para a sua contração e o seu desenvolvimento" (In:

    Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho 4ª ed. São Paulo, LTr, 2010, p. 307).

    A defesa da reclamada se limita a alegações genéricas no sentido de que o trabalhador nunca excedeu aos limites físicos adequados e ainda que atendia a todas as normas de postura e ergonomia exigidas. No entanto, o laudo médico pericial trouxe conclusão oposta à tese apresentada pela defesa.

    Como visto, o empregador não atendeu seu dever legal de zelar pela higidez do local de trabalho, tampouco de instruir seus empregados quanto às precauções no sentido de evitar as doenças do trabalho. É o que diz o artigo 157 da CLT:

    Art. 157 – Cabe às empresas:

    I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;

    II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;

    III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente

    IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.

    Diga-se, ainda, que é dever anexo ao contrato de trabalho zelar pela integridade física do empregado à disposição da empresa-ré, não podendo o empregador ignorar essa cláusula implícita à relação de emprego. Assim, deve cuidar para que os trabalhadores à sua disposição trabalhem em ambiente sadio de forma a não desenvolver doenças ocupacionais e zelar pela prevenção de acidentes e moléstias. Aliás,exatamente é essa a dicção do arts. 7º, inc. XXII, e 200, inc. VIII, da Constituição da República de 1988.

    Nesse sentido, a doutrina traz importante lição:

    "cabe ao empresário (no caso ao empregador) manter saudável o seu ambiente de trabalho (…) Quanto à responsabilidade empresarial, merece aqui um estudo do art. 7º, XXII, da Constituição Federal, que trata da obrigação do empregador na redução dos riscos inerentes ao trabalho e inciso XXVII, que garante ao empregado o recebimento de indenização no caso de o empregador ter agido com dolo ou culpa (na forma reparatória, monetarizada), em tendo sofrido danos decorrentes do trabalho, em especial aqui, resultante de acidente de trabalho. Observa-se em dispositivos constitucionais já citados, em especial os arts. 200 e 225, partindo-se de uma interpretação unitária da Constituição Federal, levando-se em consideração também que a Constituição Federal é dotada de completa efetividade, que o ambiente de trabalho que não conduza o homem à condição de sujeito de transformações ou que o exponha à condição indigna, poderá render em seu favor indenização compensatória" (OLIVEIRA, Lourival José de. Direito do trabalho segundo o princípio da valorização do trabalho humano. 1ª ed., São Paulo: LTr, 2011, p. 123).

    No caso, entendo que a culpa pelo acidente deve ser atribuída ao empregador já que não se pode negar que o dever genérico de proteção ao patrimônio físico, psicológico e moral do trabalhador se encontra dentro dos chamados deveres anexos de conduta existentes no contrato de trabalho. Nas palavras de JOSÉ CAIRO JUNIOR, tal dever"impõe ao empregador o dever de proporcionar segurança, higiene e saúde para os seus empregados, também denominada obrigação de custódia, dever de segurança ou cláusula de incolumidade" (CAIRO JUNIOR, Jose. O acidente de trabalho e a responsabilidade civil do empregador. São Paulo: LTr, 2003, p. 69).

    Nesse sentido é a ementa:

    ACIDENTE DE TRABALHO. DIREITO DE SEGURANÇA DA VÍTIMA. RISCO PROFISSIONAL. EMPREGADOR (…) Ademais, ao empregador cumpre observar o direito de segurança da vítima, seu empregado, em razão da assunção dos riscos advindos da atividade econômica que explora. (TJRS, AC 70007539596, 9ª Câm. Cível, Rel. Nereu José Giacomolli, j. em 26.11.2003)

    Considerando as conclusões do laudo médico pericial e demais elementos dos autos, concluo que a doença representada pelas lesões que acometem a reclamante se deu por culpa da reclamada estando relacionadas com o trabalho e pelos movimentos repetitivos desenvolvidos em seu favor.

    Portanto, resta estabelecida a responsabilidade civil da reclamada pelos danos causados à saúde do trabalhador (doença ocupacional) devidamente comprovados através da perícia médica ora juntada aos autos.

Inconformada, recorre a demandada. Aduz que o autor não fez prova do fato constitutivo do direito alegado, e que não consta nos autos qualquer prova de que exercia atividades com esforço repetitivo ou com elevação dos braços em ângulo superior a 90 graus, tal qual apontou o perito médico como causa para a doença. Acrescenta ser crucial a prova de que havia esforço repetitivo capaz de gerar a doença. Argumenta que o laudo médico apenas apontou que o labor seria causador da doença, caso constatado esforço repetitivo com elevação do braço acima de 90 graus. Aduz que referido laudo trata-se de prova imprestável, pois não averiguou como ocorria a atividade, tomando como premissa a alegação do autor. Pondera que a avaliação não quantificou a repetitividade do esforço, não explicou como o ombro esquerdo também não restou comprometido, bem como não fundamentou de onde concluiu que a atividade implicava elevar os braços acima de 90 graus (acima do nível dos ombros). Afirma ter produzido prova documental e testemunhal de que a atividade do obreiro era sem esforço, apenas 2 horas por dia em 4 meses do ano. Requer, por fim, seja provido o recurso para julgar ausente de provas do fato constitutivo do direito alegado pelo autor, afastando todas as condenações decorrentes, quais sejam, estabilidade, indenizações e honorários periciais.

Examino.

Primeiramente, registro que o autor foi admitido na empresa em 19.03.2010, tendo sido dispensado sem justa causa em 01.08.2013, conforme TRCT à fl. 31. Gozou do auxílio doença de 14.05.2013 até 30.07.2013 (Requerimento de Benefício por Incapacidade e Comunicação de Decisão do INSS às fl. 19/20).

Na sua petição inicial, o autor alega que, no dia 02.10.2012, após sentir intenso desconforto no ombro direito, realizou ultrassonografia na qual foi identificada "espessamento e redução da ecogenicidade do tendão supra-espinhal, compatível com tendinose" (laudo à fl. 11).

Consoante laudo técnico elaborado por perito médico (fls. 144/156, complementado às fls. 171/173), as funções do obreiro consistiam em selar embalagens, produção e ensacamento de alimentos, laborando das 7h às 12h30min e das 13h30min às 18h, no setor de embalagens.

Segundo o perito, o autor apresenta diminuição da elevação do braço e elevação prejudicada (fl. 147).

Refere o expert:

    "Pelo exame físico, o problema ainda persiste. Ao que indica, a patologia é decorrente de esforços repetitivos, segundo a descrição de suas atividades laborativas e ao exame complementar apresentado nos autos do processo."

Concluindo que:

    "O reclamante apresenta, no atual exame médico pericial, quadro de Tendinite do supraespinhal, em grau moderado.

    É considerado inapto para o trabalho.

    Há relação de nexo técnico entre o quadro clínico atual e seu trabalho."

A ultra-sonografia realizada no ombro direito em 09/04/2013 revela "área hipoecogênica fixa junto à zona crítica do tendão supraespinhal, relacionável a tendinose/ruptura tendínea de espessura parcial" (fl. 16). É juntado um encaminhamento médico da empresa para fisioterapia do ombro direito do autor em 08.10.2012, bem como receitas médicas e encaminhamento para avaliação de traumatologista, diante da "tendinite no ombro direito há 4 meses" (fls. 12, 13 e 14 respectivamente).

Saliento que em nenhum momento o perito médico condicionou a conclusão do laudo pericial à verificação da elevação dos braços em ângulo superior a 90 graus, mas tão somente referiu haver inaptidão do obreiro para as atividades "de com frequência elevar o braço acima de 90 graus." (fl. 172, item "c").

Segundo a literatura médica atual, a tendinose, similar à tendinite, mas com a qual não se confunde, consiste em microrrupturas na estrutura do tendão (supraespinhoso, no caso do autor) mais especificamente no local onde ele se une ao osso do paciente (ombro direito, no caso do autor), em casos de esforço ou uso excessivo de algumas articulações: "Desta forma, o nosso corpo se mobiliza a cicatrizar as pequenas lesões, mas o que ocorre na verdade é o acúmulo de células na área, diminuindo a força de locomoção do tendão e facilitando sua ruptura total. Neste caso, pode ter existido um quadro de inflamação (ou seja, tendinite), mas a patologia vai além, uma vez que a cicatrização e o processo de cura do organismo nesta área específica foi defeituosa ou insuficiente. Este tipo de doença (…) é comum nos pulsos, ombros, joelhos e calcanhares. Muitas vezes, a tendinose é diagnosticada como tendinite por seus danos e sintomas semelhantes, mas um bom especialista saberá orientar o paciente e encaminhar o mesmo para um tratamento adequado. A tendinose geralmente causa desconforto e limitação de movimento na área afetada. O paciente sente muita dificuldade em locomover a articulação doente. Se for atleta, ele também pode sentir diminuição expressiva de rendimento e força. A tendinose também pode causar sensação de queimação, inchaço, acúmulo de água e formigamento na articulação e nas regiões próximas. (…) Outro sinal característico de tendinose (mas não da tendinite) é a presença de matrizes de colágeno danificadas ou totalmente desorganizadas. Elas geralmente são visualizadas por exames de imagem, como ultrassonografias e raios X. Esta desordem nos tendões geralmente é o ponto diferencial entre tendinose e tendinite, e é o critério médico principal no diagnóstico correto desta patologia. A tendinose é uma forma crônica de tendinopatia (nome usado para doenças e patologias que afetam os tendões). Desta forma, quando ela se instala, não pode ser curada, apenas controlada. Se o paciente não procura tratamento médico, mesmo com desconforto, a patologia pode levar à ruptura do tendão, quadro bastante doloroso e grave que exige cirurgia. Uma vez rompido, o tendão também perde parte considerável da força e não pode mais ser usado como antes. A articulação deve passar por longos períodos de imobilização e pode nunca mais voltar à velha forma." (disponível em http://www.saudemedicina.com/tendinose/)

Especificamente quanto ao supraespinhal ou supraespinhoso, trata-se de "um músculo que passa entre o acrômio e a cabeça do úmero, se existe pouco espaço esfrega contra o acrômio (osso que forma a ponta do ombro). O músculo supra-espinhal ajuda a levantar lateralmente o braço. A bursa subacromial reduz o atrito entre o tendão e o acrômio, se trata de um saco cheio de líquido localizado entre o tendão do supra-espinhal e o acrômio. Algumas fibras do tendão do supra-espinhal podem se danificar causando uma ruptura parcial ou completa e podem provocar um movimento doloroso porque quando a pessoa levanta o braço para o lado, o tendão começa a esfregar contra o acrômio. (…) Geralmente, a tendinite é o resultado de um desgaste crônico do tendão do supra-espinhal devido sua passagem sob o acrômio. Este problema pode ocorrer em atletas e pessoas que trabalham muito com os braços acima da cabeça, embora pode ocorrer em qualquer pessoa. Variações anatômicas como por exemplo a forma do acrômio ou o espaço subacromial estreito por causa de um espessamento dos ligamentos podem favorecer a tendinite. Lesões do tendão supra-espinhal ou outros músculos do manguito rotador são frequentemente o resultado de uma queda sobre o ombro, geralmente nas pessoas idosas. Pode também resultar de atrito, com um desgaste gradual ou degeneração de outras doenças inflamatórias como artrite reumatoide. A inflamação pode persistir por anos até se tornarem crônica se não é tratada adequadamente. O princípio da formação de aderências de tecido cicatricial explica como pode ocorrer. Por exemplo: um jovem nadador durante uma braçada lesiona algumas fibras do tendão do supra-espinhal. Só se sente um pouco de dor, mas depois de alguns dias o ferimento parece cicatrizar espontaneamente. Infelizmente, é possível que com a cura se formem algumas aderência de cicatriz no tendão. Anos mais tarde, o mesmo paciente corre para o aeroporto carregando malas pesadas na mão, depois sentirá dor no mesmo ombro por uma semana. Provavelmente outras fibras do tendão do supra-espinhal foram lesionadas em torno da área da lesão anterior, portanto a área do tecido cicatricial se expande. Um ano mais tarde o mesmo paciente cai para a frente sobre os braços enquanto patina no gelo e em seguida sente dor no ombro diariamente. O tecido cicatricial que se formou ao longo dos anos enfraqueceu o tendão do supra-espinhal. Nesta situação quando o músculo é chamado em causa não pode fazer seus trabalhos otimamente, portanto se formam mais lesões. O trabalho repetitivo e alguns esportes (por exemplo, o voleibol) podem causar micro-fraturas que causam a tendinite (tendinose). O uso de um mouse pode sobrecarregar o tendão se a postura não é correta." (disponível em http://www.fisioterapiaparatodos.com/p/dor-no-ombro/tendinite-do-supraespinhoso/)

Como visto, trata-se de doença multifatorial, geralmente de ordem genética e degenerativa, mas que pode estar associada a eventos traumáticos (como quedas sobre o ombro, v.g.) ou realização de movimentos repetitivos exigindo esforço e elevação dos membros superiores acima da cabeça (atletas, jogadores de vôlei, p. ex).

No caso, a única testemunha ouvida, a convite da ré, declarou que:

    "trabalhava na selagem de embalagem, fazendo a colagem de etiquetas em lote de 600 unidades; que o reclamante ajudava outros funcionários que trabalhavam na seleção eletrônica, só fazendo a selagem com solicitado o auxílio aos demais colegas; que a colagem de 600 unidades era realizado no período de 01 a 02 horas, cujo trabalho era realizado por 03 a 04 pessoas; que cada trabalhador tinha o seu ritmo, mas não há pausa determinada pela empresa; que o reclamante não fazia ginástica laboral na empresa; que o programa de ginástica laboral somente iniciou após o reclamante sair da empresa; pela reclamada: que a colagem acima descrita é realizada apenas durante o período de 04 meses por ano; que o processo de ensacamento e selagem é feito diariamente durante esses 04 meses, mas o reclamante trabalhava na seleção e somente participava desse processo quando solicitado; que o processo de selagem ocorria duas vezes por dia, uma na parte da manhã e outro no período da tarde; que o serviço principal do reclamante era a seleção eletrônica, recolhendo amostras e fazendo análise do arroz em maquinário específico, cuja atividade não implica em uso da força; que não sabe quantas vezes por semana o reclamante fazia a selagem, mas que era eventual, chamado quando necessário; que o reclamante trabalhou na parte de sementes da reclamada por cerca de 01 ano e 08 meses, ao que recorda a testemunha; que o reclamante trabalhou de março até maio de 2010 na parte da descarga de caminhões e depois foi para a parte de sementes da reclamada e por último na fábrica de ração; que na descarga do arroz o caminhão abre as graneleiras e a metade do produto escorre diretamente nas graneleiras, sendo que o restando do trabalho é feito com auxílio de pás em direção a boca do graneleiro, sendo que ocorre pausas de 10 a 15 minutos entre a descarga de um caminhão e outro e os trabalhadores permanecem aguardando no mesmo setor; que a operação de empurrar o arroz com pás e rodos demora de 25 a 40 minutos dependendo do caminhão, sendo que trabalham 04 trabalhadores em cada carroceria de caminhão; que no setor de ração o autor ficou de final de novembro de 2012 a abril de 2013, em torno de 06 meses, e o trabalho do autor consistia na mistura do milho/farelo abastecendo o produto dentro de um misturador através de um elevador de carga e depois é feito o ensaque e armazenada até o carregamento até um caminhão com utilização de uma esteira; que o trabalho é feito por 03 a 04 pessoas, sendo que o carregamento sempre em equipe de 04 pessoas, 02 largando a bolsa de 30kg nas esteiras e 02 carregando os caminhões; que o processo de carregamento é feito 02 vezes na semana, conforme o consumo das fazendas; que nesse setor o reclamante era o responsável pelo setor da ração e ajudava o pessoal nas funções acima descritas; que como encarregado a função principal do autor era orientar o pessoal mas também auxiliar eventualmente; que o reclamante auxiliava eventualmente a largar o produto no elevador de caneca, sendo que as sacas eram arrastadas, não havendo necessidade de levantá-las devido a dinâmica do trabalho já descrito acima; que no arremate do produto final, o próprio misturador já largava as bolsas de ração, sendo que o reclamante apenas fazia a costura manual das sacas (com agulha e linha) e colocava a embalagem na "bica", já que o próprio maquinário largava o produto dentro das sacas, não havendo necessidade do trabalhador levantar o peso apenas direcionava na balança e depois para o palete; que produziam em torno de 30 a 40 sacas de mistura que resultava em 200/250 sacas de ração por dia; que não havia trabalho de força com os braços acima do nível do ombro, em nenhum dos setores pelos quais o reclamante passou; pelo autor: que o depoente, se necessário, poderia deslocar o empregado para outro setor em caso de necessidade; que não tem conhecimento de que após a alta previdenciário o reclamante foi considerado apto para o trabalho com restrições; que a mudança de setor da sementes para a ração foi por "promoção"; que o deslocamento do setor da semente para ração não teve motivação de qualquer limitação física que o reclamante tenha apresentado naquele período." (grifei)

Além disso, o Perfil Profissiográfico Previdenciário – PPP juntado pela empresa (fl. 60), menciona como atividades do autor:

    – De 19/03/201 a 30/04/2010: auxiliar no empacotamento, paletização, carregamento e descarregamento de caminhões com fardos; auxiliar no ensaque de derivados (sub-produtos); auxiliar na descarga de caminhões nas moegas (arroz em casca); auxiliar nos serviços de limpeza, jardinagem, manutenção predial e instalações;

    – De 01/05/2010 a 20/11/2012: auxiliar no empacotamento, paletização, carregamento e descarregamento de caminhões com fardos; auxiliar no ensaque de derivados (sub-produtos); auxiliar na descarga de caminhões nas moegas (arroz em casca); auxiliar nos serviços de limpeza, jardinagem, manutenção predial e instalações;

    – De 21/11/2012 a 01/08/2013: coordena a equipe nos serviços de armazenagem dos produtos base, moagem e mistura na preparação da ração; pesagem, ensaque, paletização e armazenagem da ração pronta. Também coordena o carregamento em caminhões, controle de estoque e a manutenção da organização e limpeza do setor.

Diante desse quadro, tratando-se a tendinose de um processo resultante de desgaste crônico do tendão do supra-espinhal devido sua passagem sob o acrômio, ou de atrito, com um desgaste gradual ou degeneração de outras doenças inflamatórias como artrite reumatóide, podendo a inflamação persistir por anos até se tornar crônica, se não tratada adequadamente, não há como ignorar que a atividade laboral desenvolvida ao longo do contrato de trabalho (de 19.03.2010 a 01.08.2013), exigindo a realização de esforço repetitivo, como visto nas tarefas acima narradas, contribuiu, ainda que na forma de concausa, para acelerar ou agravar o quadro degenerativo existente.

Além disso, o autor relata, na inicial, ter começado a apresentar os primeiros sintomas no início de outubro de 2012, ocasião em que exercia as atividades que exigiam maior esforço físico dentro do seu contrato de trabalho.

Importante salientar que o obreiro ficou afastado das suas atividades por incapacidade laborativa de 14.05.2013 até 30.07.2013, recebendo benefício previdenciário na forma de auxílio-doença (fls. 19/20). Posteriormente ao pedido apresentado em 08.05.2014, foi concedido novo benefício de auxílio-doença até 10.07.2014 (fl. 165), fato que comprova a gravidade da lesão sofrida pelo demandante.

Friso que a empresa, ao invés de readaptar o autor em função compatível com seu quadro de saúde, dispensou-o em 01.08.2013, ou seja, dois dias após o seu retorno do benefício previdenciário.

Reitero, pois, que, no caso dos autos, não há como afastar a atividade realizada pelo autor como fator agravador das doenças já estabelecidas, visto que trabalhava sobremaneira com os membros superiores.

O TST, em recente julgado, assim decidiu acerca do nexo causal entre a doença degenerativa (no caso apreciado espondilolistese) e a atividade laboral:

    AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. DOENÇA OCUPACIONAL. CARREGADOR. DISCOPATIA DEGENERATIVA L4-L5 . ALTERAÇÕES DEGENERATIVAS DAS ARTICULAÇÕES INTERFACETÁRIAS NO NÍVEL L4-L5 E L3-L4 E ESPONDILOLISTESE. CONCAUSA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. No caso, conforme assinalado pelo acórdão, o trabalho do reclamante na função de levantar e transportar fardos de 40 quilos ao longo da jornada de trabalho contribuiu ou para o surgimento ou para o agravamento das patologias (discopatia degenerativa L4-L5 e espondilolistese), tal como previsto no art. 21, I, da Lei nº 8.213/91. Reconhecido o nexo concausal, resta evidente o ilícito trabalhista e a culpa da empresa em razão do vínculo decorrente da manutenção de condições em que o trabalho era executado e as doenças ocupacionais, aflorando daí a responsabilidade pela indenização trabalhista por danos morais. A reanálise de fatos e provas é vedada nesta Corte Superior, consoante a Súmula nº 126. Agravo de instrumento desprovido. DOENÇA OCUPACIONAL. PENSÃO MENSAL. LIMITAÇÃO TEMPORAL. DANOS MORAIS. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. A jurisprudência desta Corte pacificou o entendimento no sentido de ser devida pensão mensal vitalícia, na hipótese de indenização por dano material decorrente de acidente de trabalho ou doença ocupacional que implique a incapacidade laborativa do trabalhador, sem qualquer limitação temporal, posto que o art. 950 do CC não prevê qualquer limitação de idade para o recebimento do pensionamento. Assim, na situação dos autos sequer poderia ter sido fixada data limite para o pagamento de pensão mensal, a qual deveria ter sido arbitrada de forma vitalícia. Entretanto, como a pretensão refere-se ao pensionamento até os 70 anos de idade, mantém-se a fixação, em atenção aos limites do pedido inicial, assim como em respeito ao princípio da non reformatio in pejus. Quanto à fixação da indenização por danos morais em R$ 10.000,00, a Corte de origem levou em conta a atuação culposa do causador do dano, a dor sofrida pela vítima e a circunstância de o trabalho ter atuado como concausa. Assim, não se desviou dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, nem o valor mostrou-se irrisório ou excessivo, devendo ser mantido. Logo, na situação dos autos não se vislumbra ofensa aos dispositivos invocados, o que inviabiliza o seguimento do recurso de revista. Agravo de instrumento desprovido . (TST – AIRR: 20908320125180082  , Relator: Arnaldo Boson Paes, Data de Julgamento: 19/11/2014, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/11/2014)

Desta forma, ainda que a atividade exercida pelo autor em favor da empresa não seja a única causa da moléstia diagnosticada, certamente contribuiu para o seu surgimento ou agravamento. Trata-se de caso típico em que a atividade laboral é concausa da doença adquirida, ou seja, quando conjugada com a principal, concorre para o resultado. É reforço do processo causal, o que por si só gera o dever de indenizar, não se exigindo nexo causal exclusivo na atividade laboral para que o empregador seja responsabilizado.

Nesse ponto, interessante citar a lição de Sérgio Cavalieri Filho: 

    "Concausa é outra causa que, juntando-se à principal, concorre para o resultado. Ela não inicia e nem interrompe o processo causal, apenas o reforça, tal como um rio menor que deságua em outro maior, aumentando-lhe o caudal. Em outras palavras, concausas são circunstâncias que concorrem para o agravamento do dano, mas que não têm a virtude de excluir o nexo causal desencadeado pela conduta principal, nem de, por si sós, produzir o dano." (Cavalieri Filho, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 3ª edição, revista, aumentada e atualizada. São Paulo: Ed. Malheiros, 2001, p.71).

Ora, o fato da doença apresentada ser de natureza multifatorial não impede o reconhecimento do nexo de causalidade com o trabalho, se comprovado que a atividade laboral, ainda que não diretamente relacionada à origem da patologia, contribuiu para o agravamento das lesões, constituindo concausa para o agravo à saúde da vítima. Aplicável à espécie o disposto no art. 21, I, da Lei 8.213/91, segundo o qual "o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação também se equipara ao acidente do trabalho."

Hodiernamente, a higidez do meio ambiente de trabalho é princípio de índole constitucional, na forma do art. 200, VIII, c/c art. 225, caput, da Constituição da República. Também nos termos do art. 7º, XXII, a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, segurança e medicina do trabalho é direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.

O art. 157, I e II, da CLT, determina que cabe às empresas cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho e instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais. O dispositivo em epígrafe é regulamentado pelas Normas Regulamentadoras editadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, entre as quais figura a NR 7 – que dispõe sobre o Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional e a NR 9, sobre o Programa de Prevenção de Riscos Ambientais.

Neste norte, destaco que incumbia à ré a apresentação da documentação obrigatória, consubstanciada no PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário), PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais), PCMSO (Programa de Controle Médico e Saúde Ocupacional) e LTCAT (Laudo Técnico das Condições Ambientais de Trabalho), cuja guarda, fornecimento ao empregado e/ou disponibilização às autoridades competentes são obrigatórios, nos termos dos itens 9.3.8.1 a 9.3.8.3 da NR-9, bem como dos arts. 157, I, da CLT, arts. 19, §1º e 58, §1º, da Lei 8213/91. Conforme a CLT:

    Art. 157 – Cabe às empresas:

    I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho;

    II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;

    III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente;

    IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.

Lei 8213/91:

    Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.   § 1º A empresa é responsável pela adoção e uso das medidas coletivas e individuais de proteção e segurança da saúde do trabalhador.

    § 2º Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.

    § 3º É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.

    § 4º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e entidades representativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento.

    Art. 58. A relação dos agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida pelo Poder Executivo.

    § 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, emitido pela empresa ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do trabalho nos termos da legislação trabalhista.  § 2º Do laudo técnico referido no parágrafo anterior deverão constar informação sobre a existência de tecnologia de proteção coletiva ou individual que diminua a intensidade do agente agressivo a limites de tolerância e recomendação sobre a sua adoção pelo estabelecimento respectivo.

    § 3º A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo laudo estará sujeita à penalidade prevista no art. 133 desta Lei.  § 4º A empresa deverá elaborar e manter atualizado perfil profissiográfico abrangendo as atividades desenvolvidas pelo trabalhador e fornecer a este, quando da rescisão do contrato de trabalho, cópia autêntica desse documento.

E a NR 09 do MTE:

    9.3.8. Do registro de dados.

    9.3.8.1. Deverá ser mantido pelo empregador ou instituição um registro de dados, estruturado de forma a constituir um histórico técnico e administrativo do desenvolvimento do PPRA. (109.035-6 / I1)

    9.3.8.2. Os dados deverão ser mantidos por um período mínimo de 20 (vinte) anos. (109.036-4 / I1)

    9.3.8.3. O registro de dados deverá estar sempre disponível aos trabalhadores interessados ou seus representantes e para as autoridades competentes. (109.037-2 / I1)

    9.4. Das responsabilidades.

    9.4.1. Do empregador:

    I – estabelecer, implementar e assegurar o cumprimento do PPRA como atividade permanente da empresa ou instituição.

A Lei 8080/90, ao definir o conceito de saúde do trabalhador, estabelece o direito de informação:

    Art. 6º. …

    §1º. …

    §2º. …

    § 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho, abrangendo:

    I – assistência ao trabalhador vítima de acidentes de trabalho ou portador de doença profissional e do trabalho;

    II – participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), em estudos, pesquisas, avaliação e controle dos riscos e agravos potenciais à saúde existentes no processo de trabalho;

    III – participação, no âmbito de competência do Sistema Único de Saúde (SUS), da normatização, fiscalização e controle das condições de produção, extração, armazenamento, transporte, distribuição e manuseio de substâncias, de produtos, de máquinas e de equipamentos que apresentam riscos à saúde do trabalhador;

    IV – avaliação do impacto que as tecnologias provocam à saúde;

    V – informação ao trabalhador e à sua respectiva entidade sindical e às empresas sobre os riscos de acidentes de trabalho, doença profissional e do trabalho, bem como os resultados de fiscalizações, avaliações ambientais e exames de saúde, de admissão, periódicos e de demissão, respeitados os preceitos da ética profissional;

Ora, a rigor do art. 58 da Lei 8213/91, a comprovação da efetiva exposição do trabalhador a agentes nocivos é obrigatória e deve ser realizada mediante formulário a ser emitido pelo empregador, com base no LTCAT, o qual, por sua vez, deve consignar informações quanto à disponibilização de equipamentos de proteção coletiva e individual que diminuam a intensidade dos agentes agressivos. Ainda, a empresa deverá elaborar e manter atualizado o PPP – perfil profissiográfico previdenciário abrangendo as atividades exercidas pelo empregado.

De forma semelhante, a NR-9, cuja observância pelo empregador é obrigatória por força do art. 157, I, da CLT, determina a obrigatoriedade de elaboração e implementação do PPRA visando à preservação da saúde e da integridade dos trabalhadores, através da "antecipação, reconhecimento, avaliação e consequente controle da ocorrência de riscos ambientais existentes ou que venham a existir no ambiente de trabalho, tendo em consideração a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais".

Nos termos dos itens 9.2.1, 9.3.1 e 9.3.3, "f", da NR-9, o PPRA deve incluir o registro e a divulgação de dados, indicativos de possível comprometimento da saúde decorrente do trabalho, inclusive decorrentes de riscos ambientais, e que "deverá estar sempre disponível aos trabalhadores interessados ou seus representantes e para as autoridades competentes.".

Portanto, é de inequívoca incumbência da empregadora o encargo de trazer aos autos os documentos pertinentes às condições ambientais de trabalho (LTCAT), às atividades desenvolvidas pelo empregado (PPP) e aos riscos inerentes ao ambiente e a estas atividades (PPRA e PCMSO).

Ou seja, a teor do disposto no art. 818 da CLT, c/c art. 333, I e II, do CPC, tais obrigações ambientais desdobram-se, em sede processual, no dever do empregador de demonstrar, nos autos, de forma cabal, o correto cumprimento das medidas preventivas e compensatórias do ambiente de trabalho, para evitar danos aos trabalhadores. E, para isto, não basta tão somente a juntada de programas ambientais laborais, sem que, de fato, sejam adotadas e comprovadas as necessárias medidas para reduzir/neutralizar a sinistralidade laboral.

No caso em comento, a ré traz aos autos o PCMSO (fls. 91/96) e PPRA (fls. 101/126). Todavia, não constato a existência da análise ergonômica específica das condições de trabalho do obreiro, evidenciando a falta de cautela da ré, no caso, permitindo, assim, que o obreiro laborasse em atividade repetitiva com risco ergonômico para os membros superiores.

Ademais, o PPP (fl. 60/62), aponta a postura inadequada como fator de risco ergonômico.

Portanto, a despeito da empresa considerar extremamente importante para o caso a realização de uma perícia ergonômica –  ao ponto de postular a nulidade da decisão diante do seu indeferimento, por outro lado não trouxe aos autos a análise ergonômica específica das condições de trabalho do autor.

Portanto, evidenciado inequívoco descumprimento dos deveres relativos à observância das normas de saúde, segurança, medicina e higiene do trabalho, resta presente o elemento subjetivo da culpa da recorrida (na modalidade de dolo eventual), indutora de sua responsabilidade subjetiva, porquanto não foram adotadas as medidas necessárias neles estabelecidas para reduzir/neutralizar a sinistralidade laboral, autorizando concluir com segurança pela responsabilização da demandada quanto aos agravos de saúde sofridos pelo trabalhador, no mínimo, por concausa.

De modo que a empresa não pode se eximir da imputação de responsabilidade, a teor do que estabelecem os arts. 186, 187, 942, caput e parágrafo único, todos do Código Civil, pois, na espécie, resta nítido que havia grau elevado de risco na atividade desempenhada pelo trabalhador e que não foram adotadas as cautelas necessárias para resguardar a sua saúde e a integridade física. A espécie comporta, inclusive, a responsabilidade objetiva, na forma do parágrafo único do art. 942 do CC.

Neste compasso, reitero, a prova dos autos demonstra o inequívoco descumprimento dos deveres relativos à observância das normas de saúde, segurança, medicina e higiene do trabalho. As atividades desempenhadas pelo autor na ré atuaram como concausa para a redução de sua capacidade laborativa, restando configurado o nexo de concausalidade entre a moléstia do autor e o labor em favor da ré, sendo certa a  responsabilidade da ré, por negligência (culpa), a gerar o dever de indenizar.

De outro norte, a atividade explorada pela ré apresenta grau de risco "3" – alto (CNAE:1061-9/01 – Beneficiamento de arroz) de acordo com o Anexo V do Decreto 6957/2009, a atrair a responsabilidade objetiva na espécie, na forma do art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

Logo, a responsabilidade da ré, no caso, decorre tanto da presença do elemento subjetivo (culpa), como do objetivo pela aplicação da teoria do risco da atividade e do princípio do poluidor pagador, ante o elevado grau de risco apurado no CNAE supracitado.

Assim, seja por força da apuração de culpa da demandada, seja por aplicação da teoria do risco ou por responsabilidade objetiva decorrente de lei (art. 14, §1º, da Lei 6938/81 c/c art. 225, §3º, da Constituição da República), estão inegavelmente presentes os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil: a existência de dano (lesão à integridade física do trabalhador) e o nexo de causalidade, no mínimo como concausa, entre a doença apresentada e o dano causado, e entre estes e a atividade da ré, fazendo jus o acionante à indenização correspondente pela doença noticiada nos autos.

Nego provimento.

2. INDENIZAÇÕES.

O Magistrado da origem condenou a ré no pagamento de indenização por danos materiais e morais, sob os seguintes fundamentos:

    Danos materiais. Lucros cessantes. Danos emergentes. Estabelecida a responsabilidade da reclamada pela doença que acomete o trabalhador na forma da fundamentação acima, passo a deliberar sobre a extensão das lesões, e pedido de danos materiais (lucros cessantes e danos emergentes).

    No caso dos autos, determinei a realização de perícia médica a fim de verificar as lesões alegadas pelo reclamante, o grau de incapacidade e a sua gravidade.

    Conforme consta no laudo médico-pericial dos autos, as lesões apresentadas pelo reclamante são de natureza parcial e transitória, com perda a algumas atividades (fl. 149). De acordo com o perito, há possibilidade de recuperação das lesões d o autor desde que haja tratamento adequado.

    Diante da conclusão do perito médico, entendo que o reclamante faz jus à reparação pelos danos materiais que lhe foram causados pela conduta negligente da reclamada, representada pela incapacidade parcial e temporária.

    Neste caso, acredito ser indevido o pensionamento vitalício postulado na inicial, já que o perito atestou a possibilidade concreta de recuperação do autor.

    Considerando o salário mensal que recebido pelo reclamante (fl. 56), bem como a incapacidade parcial e temporária retratada nos autos (fl. 149), o custeio do tratamento médico ao qual deverá ser submetido, o que implicará em afastamento de suas atividades para fins de tratamento das lesões apresentadas, e considerando ainda a possibilidade de sua recuperação para o trabalho, arbitro o valor da indenização a título de danos materiais, o que engloba lucros cessantes e danos emergentes, no importe de R$ 15.000,00(quinze mil reais), o que deverá ser pago pela ré na forma de parcela única.

    Afasto o pedido de pensionamento vitalício pelas razões já expostas.

    Quanto à possibilidade de cumulação da indenização por danos materiais na qual a reclamada restou condenada com eventual benefício previdenciário, esta é plenamente possível já que se trata de relações jurídicas diversas. Nesta lide, trata-se da exclusiva culpa do empregador para com seu empregado, o qual está obrigado a ressarci-lo dos prejuízos causados (art. 950 do Código Civil). A relação entre seguro e Previdência Social é de outra espécie e que escapa ao âmbito de discussão desta lide. Aliás, nesse sentido:

    DOENÇA OCUPACIONAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PENSIONAMENTO E BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO. Os benefícios previdenciários e a indenização por responsabilidade civil prevista no artigo 950 do Código Civil possuem natureza distinta, sendo possível, inclusive, a cumulação, como estabelece o artigo 121 da Lei n. 8.213/91 (TRT 4ª R., RO 0000834- 07.2010.5.04.0522, Rel. Raul Zoratto Sanvicente, j. em 09.10.2012).

    Portanto, não há que se falar em impossibilidade de cumulação com eventual recebimento de benefício previdenciário por parte do trabalhador.

    Danos morais postulados pela doença do trabalho. O reclamante postula a indenização por danos morais em face da doença do trabalho, cuja responsabilidade foi atribuída à reclamada, conforme a fundamentação acima.

    Ocorre que a reparação por danos morais procura uma forma de compensar a dor suportada pela vítima no sentido de amenizar o sofrimento.

    No caso dos autos, a dor havida em face das lesões causadas pelo acidente de trabalho sofrido no desempenho de seu labor, merece ser reparado, eis que ensejou afastamento do trabalhador para se submeter a tratamento médico.

    Em relação ao valor da indenização por danos morais, o legislador brasileiro optou pelo sistema aberto ou não-tarifado, incumbindo ao juiz a fixação do valor devido. Nesse aspecto, o magistrado deve se desincumbir de tal tarefa levando em consideração os avanços sociais e a centralidade do conceito de dignidade da pessoa humana em nosso ordenamento jurídico, além de observar a intensidade do dano sofrido.

    O objetivo da indenização é compensar o lesado pela atenuação de seu sofrimento, e não propriamente a recomposição do patrimônio do ofendido.

    Isso porque não é possível "medir" a dor moral causada, mas simplesmente proporcionar sentimentos aliviadores através da moeda. Portanto, a reparação do dano moral exige que a indenização seja integral, ou seja, que represente uma compensação adequada à vítima.

    Nesse sentido, a doutrina traz o seguinte esclarecimento:

    Tristezas se compensam com alegrias. Sofrimentos e angústias se neutralizam com sensações contrárias, de euforia e contentamento. E se tais fatores de neutralização não se obtém pela via direta do dinheiro (não se pagam tristezas e angústias), pela via indireta, contudo, ensejariam os valores econômicos que se propiciassem às vítimas dos danos morais, parcelas de contentamento ou euforia neutralizadoras de suas angústias e de suas dores (Enciclopédia Saraiva de Direito, v. 22,p. 275).

    É preciso salientar que a indenização por danos morais cumpre um papel relevante na preservação dos direitos fundamentais da pessoa humana.

    Por isso é que o valor arbitrado deve ser considerável, a ponto de inibir alguma prática ou omissão não desejado. No caso, a reclamada é alvo constante de reclamatórias trabalhistas neste ramo do Poder Judiciário dado à sua conduta de não cumprir na íntegra os direitos trabalhistas previstos na legislação e na Constituição Federal, especialmente quanto ao meio ambiente do trabalho.

    Por outro lado, há de se considerar, também, o critério da proporcionalidade, ou seja, que a indenização não deve representar um gravame excessivo, demasiadamente pesado ao ofensor. Para tanto, deve ser levado em consideração, especialmente, o grau de culpa do ofensor, preconizando a adoção dos parâmetros previstos no art. 944 do Código Civil, inclusive, quanto à intensidade do dano sofrido, a permanência temporal da dor, os antecedentes do agente e da vítima e a situação econômica do ofensor e do ofendido, pautando-se o magistrado pela razoabilidade.

    Face ao exposto, defiro o pedido de indenização por dano moral em face doença ocupacional desenvolvida pelo reclamante e condeno a reclamada no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) pautado pelos critérios de proporcionalidade e razoabilidade acima já estabelecidos e fundamentados.

Inconformada, recorre a demandada, alegando que tais valores não se mostram condizentes com uma tendinite no ombro direito. No tocante aos danos materiais, afirma que o autor não fez nenhuma prova de tratamentos realizados, e que a tendinite é tratada com anti-inflamatórios e repouso, o que não ultrapassaria R$100,00, passando para R$1.000,00 caso fosse necessário fisioterapia. Alega inexistentes os lucros cessantes, porquanto o autor está recebendo auxílio-doença, não tendo, por conseguinte, prejuízos. Aduz que, mesmo se não houvesse o referido benefício previdenciário, a indenização deveria respeitar o período de 2 a 4 meses para tratamento. No tocante aos danos morais, refere que o valor deferido representa um estímulo à "indústria do dano moral", visando ao enriquecimento fácil em face de qualquer incômodo. Por fim, argumenta que os valores de indenização a título de danos materiais e morais são indevidos, ou, sucessivamente, excessivos. Requer que os valores sejam reduzidos a, no máximo, R$5.100,00.

Analiso.

– danos materiais

O art. 950 do CC estabelece que "se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu".

Por todo o exposto, estão inegavelmente presentes os requisitos caracterizadores da responsabilidade civil: a existência de dano (lesão à integridade física do trabalhador) e o nexo de causalidade, na forma de concausa, entre a doença desenvolvida e a atividade da ré.

Além disso, entendo também presente a culpa patronal, na medida em que a ré não demonstrou, como lhe competia, em face do princípio da aptidão para a prova, ter cumprido as normas atinentes à saúde e medicina do trabalho, em especial as relativas à ergonomia do trabalho.

Ademais, o autor apresentou receitas médicas e laudos de exames realizados, como por exemplo às fls. 13, 15, 16, 18, 21 e 22, o que comprova que teve inúmeras despesas médicas com o seu tratamento.

Quanto aos lucros cessantes, estes decorrem do decréscimo patrimonial suportado pelo obreiro que fica afastado do serviço, em razão do acidente/doença (art. 949 do Código Civil). Quanto a esta parcela, entendo que a reparação deve limitar-se à diferença remuneratória com o benefício previdenciário, que é exatamente o que o trabalhador deixou de ganhar no período de afastamento.

Diante disso, na medida em que o autor apresenta redução em sua capacidade laboral, considerado inclusive inapto para o trabalho, conforme laudo médico de fl. 148 e Decisão do INSS de fl. 165, bem como diante da comprovação de gastos com a compra de remédios e com tratamento médico, entendo devida e de valor adequado a indenização por danos materiais na modalidade lucros cessantes e danos emergentes, tal como restou explicitado na sentença (R$15.000,00).

– danos morais

Com relação aos danos morais, consoante vem decidindo este TRT "o dano moral existe in re ipsa, ou seja, decorre do próprio acidente e lesões sofridas pela parte autora. É um dano evidente, que surge logicamente da ocorrência do fato, prescindindo de prova específica. Cabe destacar possuir a indenização por danos morais também função pedagógica/punitiva, devendo, além de prestar-se a compensar o sofrimento de quem foi submetido ao dano, servir de fator inibidor de novas ocorrências lesivas, pela adoção de processos mais seguros no ambiente de trabalho". (Processo 0000315-48.2011.5.04.0861 RO, em 14/03/2013, Relator Desembargador Alexandre Corrêa da Cruz).

No mesmo sentido, os precedentes do STJ:

    Quanto ao dano moral, em si mesmo, não há falar em prova; o que se deve comprovar é o fato que gerou a dor, o sofrimento. Provado o fato, impõe-se a condenação, pois, nesses casos, em regra, considera-se o dano in re ipsa. (AgRg no AREsp 259.222/SP, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/02/2013, DJe 28/02/2013)

    Esta Corte já firmou entendimento que "o dano moral não depende de prova; acha-se in re ipsa" (REsp 296.634-RN, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, DJ 26.8.2002), pois "não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam" (REsp 86.271/SP, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJU 9.12.97). (AgRg no AREsp 9.990/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/02/2012, DJe 08/03/2012)

    A jurisprudência do STJ vem se orientando no sentido de ser desnecessária a prova de abalo psíquico para a caracterização do dano moral, bastando a demonstração do ilícito para que, com base em regras de experiência, possa o julgador apurar se a indenização é cabível a esse título. (REsp 1109978/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe 13/09/2011)

No presente caso, restando comprovado que a lesão no ombro direito foi agravada, ou seja, os sintomas foram exacerbados em virtude das atividades laborativas exercidas pelo autor em favor da ré, a existência de dano moral para o empregado é decorrência lógica. Não restam dúvidas de que a situação vivida pelo demandante (inclusive tendo que recorrer ao INSS em busca de auxílio-doença) em face da lesão agravada pelo trabalho, traz-lhe angústia e sofrimento.

Assim, tendo em conta os presumíveis danos causados na esfera íntima, social, familiar e laborativa do empregado, cabível a indenização por danos morais correspondente ao prejuízo sofrido pela vítima.

Com relação ao quantum devido pelas lesões causadas no ombro, entende-se que deve atender ao aspecto pedagógico e educativo que pretende cumprir a condenação a esse título, desdobrado em tríplice aspecto: sancionatório/punitivo, inibitório e preventivo, a propiciar não só a sensação de satisfação ao lesado, mas também desestímulo ao ofensor, a fim de evitar a repetição da conduta ilícita.

Os danos sofridos pelo autor em seu ombro direito são de grau moderado (conforme laudo à fl. 148), restando evidenciada a inaptidão laborativa, ainda que temporária.

Por outro lado, o grau de culpa da ré (grave, por omissão quanto às normas de segurança e saúde do trabalho), o tempo de prestação laboral (de 2010 a 2013) a capacidade econômica do ofensor (capital social superior a treze milhões fl. 41) e o caráter pedagógico e punitivo que o valor indenizatório deve cumprir na espécie, entendo razoável o valor fixado na origem, qual seja, R$10.000,00 (dez mil reais).

Diante do exposto, nego provimento ao recurso da ré, no aspecto.

EXPEDIÇÃO DE OFÍCIOS.

Tendo em vista a Recomendação Conjunta GP.CGJT nº 2/2011 do TST, que estabelece a remessa de cópia de decisão que reconheça conduta culposa do empregador em casos de acidente do trabalho, o que inclui doença decorrente do trabalho, com o objetivo de subsidiar eventual ajuizamento de Ação Regressiva, nos termos do art. 120 da Lei nº. 8.213/91, proceda a Secretaria desta Turma julgadora à remessa, via e-mail, de cópia da presente decisão à Procuradoria Regional Federal da 4ª Região – Rio Grande do Sul (prf4.regressivas@agu.gov.br).

Também em face do disposto no art. 7º da Lei 7347/85, ante o não cumprimento de medidas preventivas e compensatórias do ambiente de trabalho, com juntada parcial dos programas ambientais obrigatórios, violação de normas concernentes ao meio ambiente laboral, e considerando que o descumprimento de normas de saúde, segurança, medicina e higiene do trabalho constitui contravenção penal, em tese, na forma do art. 19, §2º, da Lei 8213/91, como também a desconsideração de risco ergonômico na atividade exigida do trabalhador é conduta que constitui, em tese, o crime do art. 132 do CP, determino a expedição de ofício ao MPT com cópia deste Acórdão, para as providências cabíveis.

Destaque-se, para evitar embargos com intuito protelatório, que a determinação de expedição de ofícios está inserida dentre os poderes do Juiz na condução do processo (art. 765, CLT) e corresponde ao estrito cumprimento do dever funcional de dar ciência às autoridades competentes acerca das irregularidades de que toma conhecimento, não se podendo cogitar, portanto, em reformatio in pejus ou julgamento extra petita

III – PREQUESTIONAMENTO

Adotada tese explícita a respeito das matérias objeto de recurso, são desnecessários o enfrentamento específico de cada um dos argumentos expendidos pelas partes e referência expressa a dispositivo legal para que se tenha atendido o prequestionamento e a parte interessada possa ter acesso à instância recursal superior. Nesse sentido, o item I da Súmula 297 do TST e a Orientação Jurisprudencial 118 da SDI-1, ambas do TST.

Também é inexigível o prequestionamento de determinado dispositivo legal quando a parte entende que ele tenha sido violado pelo próprio Acórdão do qual pretende recorrer, conforme entendimento pacificado na Orientação Jurisprudencial 119 da SDI-1 do TST.

Isto considerado, tem-se por prequestionadas as questões e matérias objeto da devolutividade recursal, bem como os dispositivos legais e constitucionais invocados pela parte.  

DESEMBARGADORA TÂNIA REGINA SILVA RECKZIEGEL:

Acompanho a divergência lançada pela Exma. Desembargadora Presidente quanto aos ofícios. 

DESEMBARGADORA TÂNIA ROSA MACIEL DE OLIVEIRA:

VOTO DIVERGENTE.

EXPEDIÇÃO DE OFÍCIO. COMUNICAÇÃO À PROCURADORIA REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO E AO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO.

Respeitados os entendimentos em sentido contrário, divirjo em parte do nobre Relator quanto às determinações de expedição de ofício ao Ministério Público do Trabalho, e de comunicação à Procuradoria Regional Federal da 4ª Região e ao Tribunal Superior do Trabalho, para condicionar o cumprimento das referidas ordens ao trânsito em julgado desta decisão colegiada, em atenção ao princípio da ampla defesa.

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Carlos Stoever

(Advogado Especialista em Direito Público)

Advogado. Especialista em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e MBA em Gestão de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas. Consultor de Empresas formado pela Fundação Getúlio Vargas. Palestrante na área de Licitações e Contratos Administrativos, em cursos abertos e in company. Consultor em Processos Licitatórios e na Gestão de Contratos Públicos.

@calos-stoever

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