TRT4. ATRASO NO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS. RESCISÃO INDIRETA.
Atualizado 19/08/2018
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PROCESSO nº 0021389-86.2016.5.04.0020 (RO)RECORRENTE: —–RECORRIDO: —–RELATOR: REJANE SOUZA PEDRA
ATRASO NO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS. RESCISÃO INDIRETA. A falta de pagamento dos salários por meses seguidos caracteriza a mora contumaz e a falta grave a ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho. Aplicação do art. 483, “d”, da CLT.
Vistos, relatados e discutidos os autos.
ACORDAM os Magistrados integrantes da 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE para: a) acrescer à condenação o pagamento das férias do período aquisitivo 2015/2016, acrescidas de 1/3; b) reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho e condenar a reclamada à anotação do término da relação empregatícia com data de 26-11-2016, e ao pagamento do aviso-prévio proporcional de 60 dias, aos salários de maio, junho, julho e agosto de 2016, ao saldo de 27 dias relativo ao mês de setembro de 2016, às férias proporcionais com 1/3, ao 13º salário proporcional, à multa de 40% do FGTS e ao fornecimento das guias de seguro-desemprego, autorizada a conversão em indenização substitutiva; e c) condenar a reclamada à indenização pelos danos morais sofridos pelo autor, no valor de R$ 3.000,00. Valor da condenação que se majora para R$ 40.000,00, para os fins legais. Custas acrescidas para R$ 800,00.
Intime-se.
Porto Alegre, 10 de julho de 2018 (terça-feira).
Inconformado com a sentença de parcial procedência das fls. 205-213, o reclamante interpõe recurso ordinário (fls. 224-232).
Busca a reforma do julgado relativamente ao salário pago por fora, às férias vencidas, à caracterização da rescisão indireta e ao dano moral.
Sem contrarrazões, os autos são remetidos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
1 QUESTÃO DE ORDEM
Diante da vigência da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, a partir de 11-11-2017, esclareço que esta é aplicável apenas aos contratos de emprego firmados a partir de então, em face do estabelecido no art. 6º da Lei de Introdução do Código Civil e artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal.
Saliento, ainda, que o TST, na Instrução Normativa 41/2018, disciplinando sobre as novas normas processuais da CLT, em seu art. 1º estabelece a aplicação imediata, “sem atingir, no entanto, situações pretéritas iniciadas ou consolidadas sob a égide da lei revogada“.
2 SALÁRIO POR FORA
O reclamante não se conforma com o indeferimento do seu pedido de integração dos valores pagos extra folha pela reclamada. Aduz que a partir de agosto de 2011, a ré passou a pagar o valor mensal de R$ 400,00, o que diz ter demonstrado através dos comprovantes dos meses de setembro e dezembro de 2013, fevereiro e junho de 2014 e julho de 2015. Pondera que tal montante era depositado juntamente com seu salário, integrando a sua remuneração para todos os efeitos legais. Ainda, argumenta que a partir de janeiro de 2016, a reclamada deixou de realizar o pagamento do valor extra folha, impondo-se a sua condenação ao adimplemento da parcela até a rescisão contratual.
Sem razão.
À semelhança do entendimento expresso na sentença, tenho que a prova documental é frágil e não ampara a tese do reclamante. De fato, os recibos acostados à inicial, alguns deles praticamente ilegíveis, não permitem a perfeita correlação entre os depósitos e os extratos juntados pelo reclamante. Outrossim, é no mínimo curioso que o reclamante possuísse em sua guarda os comprovantes de depósito do seu próprio salário, documento cuja conservação incumbe exclusivamente à ré. Pondero, de outro norte, que alguns dos comprovantes de depósito não identificam o depositante, mas apenas o favorecido e a forma da transação (cheque), o que reforça a conclusão quanto à fragilidade da tese exposta.
Ademais, como bem ponderou o magistrado a quo, ainda que estes documentos se prestassem a prova do pagamento extra folha, não haveria habitualidade apta a caracterizá-lo como salário por fora. Tal circunstância somada à confissão ficta aplicada ao reclamante enseja o acolhimento integral das alegações formuladas em defesa (fl. 90) no sentido de que houve o pagamento eventual de prêmios, sem qualquer caráter continuativo.
Logo, e por se tratar de fato constitutivo do direito buscado, nos termos dos arts. 818 da CLT e 373, I, do NCPC, incumbia ao reclamante produzir prova quanto à percepção de salário por fora, do qual não se desonerou a contento.
Provimento negado.
3 FERIAS VENCIDAS
Insiste o reclamante no pedido de pagamento das férias vencidas relativas ao período aquisitivo 2015/2016, as quais não foram fruídas tampouco pagas.
O pleito foi indeferido na origem ante a juntada dos comprovantes de pagamento das férias pela reclamada.
Analiso.
De plano, esclareço que há comprovação da concessão e pagamento das férias de 2014/2015, conforme recibo de férias da fl. 107 e extrato mensal das fls. 173 e 176. As férias postuladas pelo reclamante dizem respeito ao período aquisitivo compreendido entre julho de 2015 a julho de 2016 e que, portanto, poderiam ser concedidas até julho de 2017.
Ocorre que com relação a estas, realmente não há qualquer evidência de concessão ou mesmo pagamento do período respectivo, o que atribuo à circunstância de o reclamante ter ajuizado a presente reclamatória em 13-09-2016, ou seja, antes do término do período concessivo. Ainda, é importante destacar que um dos pedidos da inicial é justamente a caracterização da rescisão indireta do contrato de trabalho.
Saliento, por oportuno, que os extratos mensais contemplam o laçamento das férias vencidas como se fossem devidas no mês de setembro de 2016, no qual há igualmente o lançamento de diversas parcelas estritamente rescisórias, tais como a rubrica “FÉRIAS RESCISÃO” (fl. 192). Contudo, não há qualquer evidência de que o montante apurado no referido mês foi alcançado ao reclamante. Ao revés, a tese da defesa é justamente contraposta a isso, pois a reclamada admitiu em contestação a sua impossibilidade financeira de arcar com os salários de seus empregados (fl. 92). Ora, se não possui condições de pagar salários, tampouco haveria meios de quitar a rescisão contratual e, por consequência, as férias vencidas.
Sinalo que o fato de o reclamante ser fictamente confesso quanto à matéria fática não implica a rejeição automática do seu pedido. Essa circunstância deve ser cotejada com os demais elementos de prova contidos nos autos bem como à divisão do ônus probatório entre as partes, conforme a inteligência da Súmula 74, II, do TST.
Presentes tais considerações, e por não comprovada a concessão e pagamento das férias do período aquisitivo de 2014/2015, razão pela qual o pedido prospera nos termos em que formulado (item “d”, fl. 13).
Recurso do reclamante provido a fim de acrescer à condenação o pagamento das férias do período aquisitivo 2015/2016, acrescidas de 1/3.
4 RESCISÃO INDIRETA
Discorda o reclamante da decisão que não reconheceu a rescisão indireta do contrato de trabalho nos termos do art. 483, “d”, da CLT. Afirma que deixou de receber salários em abril de 2016, muito embora tenha permanecido cumprindo rigorosamente com seu horário de trabalho. Refere que precisou se endividar, pagando juros altíssimos, em função da falta de recebimento de seus salários. Aduz, ainda, que a ré deixou de efetuar o recolhimento do FGTS em novembro de 2014, bem como de fornecer o vale-refeição em julho de 2016. Pretende o reconhecimento da rescisão indireta com o registro da data de saída na sua CTPS, e a condenação da reclamada ao pagamento do aviso-prévio indenizado, férias proporcionais com 1/3, gratificação natalina com 1/3, saldo de salários, multa de 40% do FGTS e a liberação das guias de seguro-desemprego.
Ao exame.
A alínea “d” do artigo 483 da CLT, que prevê como causa ensejadora da rescisão contratual motivada pelo empregador o seu descumprimento das obrigações do contrato de trabalho, não tem por escopo atingir toda e qualquer falta do empregador. A rescisão do contrato de trabalho motivada pelo empregador é caracterizada pela gravidade da falta que pratique, ou seja, tipifica-se pelo descumprimento das obrigações contratuais, de forma a tornar insuportável ao empregado a continuidade do vínculo laboral. Tal como ocorre, por exemplo, quando o empregador suspende injustificadamente o pagamento dos salários do empregado, retirando-lhe as condições de sobrevivência.
O salário possui natureza alimentar, sendo imprescindível para prover as necessidades básicas do empregado com moradia, alimentação, saúde, educação, transporte, vestuário, lazer, dentre outros. Para atender essas necessidades o empregado assume obrigações com o escopo de garantir os bens e serviços necessários a sua subsistência e a da sua família. Dado o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, o direito ao salário nasce com a realização do trabalho. Consoante o § 1º do artigo 459 da CLT, o salário deverá ser pago no prazo máximo de cinco dias úteis do mês subsequente ao vencido. Há, portanto, imposição legal no sentido de que o salário seja adimplido em certo lapso de tempo.
No caso em apreço, ao reclamante foi cominada a pena de confissão ficta em razão de sua ausência injustificada à audiência designada pelo juízo (fl. 204). A inteligência do art. 844 da CLT orienta que a ausência da parte à solenidade aprazada induz confissão com relação à matéria de fato, vale dizer, presume-se verdadeira a tese sustentada pela parte adversa.
Contudo, o atraso contumaz e reiterado nos salários foi reconhecido pela ré, que admitiu em defesa: “(…) está passando por grave crise financeira, nos últimos tempos os valores conseguidos não estão conseguindo pagar as contas e nem os funcionários.” (fl. 91). E prosseguiu afirmando que “(…) era fato notório e previsto dos quais estavam plenamente cientes os funcionários que permaneceram na Empresa. Os mesmos já sabiam de antemão que poderia acontecer atrasos, porém mesmo assim resolveram permanecer e receber mesmo com atraso do que sair da Empresa, como foi o caso da reclamante, portanto impugna-se também tal pedido.” (grifei, fl. 92).
Como visto, a reclamada reconheceu que estava sem pagar o salário do reclamante desde, ao menos, maio de 2016. Admitiu, também, que o reclamante continuou prestado serviços neste ínterim. Logo, a conjunção destes fatores leva à inequívoca conclusão de que houve descumprimento por parte da ré de sua obrigação mais importante no contexto da relação empregatícia, justamente a de remunerar o trabalhador pelo dispêndio de sua força de trabalho.
Noutro giro, como já pude examinar no item supra, a reclamada já antevia a razoabilidade da tese do reclamante ao fazer constar no extrato mensal do mês de setembro de 2016 todas as rubricas pertinentes à demissão sem justa causa, inclusive a previsão de pagamento do aviso prévio. E mais, no mesmo documento, consta a seguinte informação: “DEMITIDO EM 27/09/2016 – MOTIVO 2-Demitido SEM justa causa” (fl. 192). Porém, não há qualquer evidência de que tais verbas, ou mesmo que os demais direitos oriundos da rescisão contratual, notadamente a emissão das guias de seguro-desemprego, tenham sido alcançadas ao reclamante.
Nesse compasso, incidindo a reclamada na hipótese prevista no art. 483, “d”, da CLT, impõe-se reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho, o qual considero encerrado em 27-09-2016, conforme anotação contida no extrato juntado pela reclamada. Faz o autor jus ao aviso-prévio proporcional de 60 dias, nos termos da Lei 12.506/2011, devendo a reclamada anotar a data de saída na CTPS do reclamante observando o período respectivo, ou seja, 27-11-2016.
Devidos, ainda, os salários de maio, junho, julho e agosto de 2016, bem como o saldo de 27 dias relativo ao mês de setembro de 2016. Defiro o pagamento das férias proporcionais com 1/3 e do 13º salário proporcional, bem como a multa de 40% do FGTS. Determino, ainda, a liberação das guias de seguro-desemprego, autorizada a conversão em indenização substitutiva caso verificada a hipótese da Súmula 389, II, do TST.
Recurso do reclamante provido no item.
5 DANO MORAL
O reclamante postula o deferimento de indenização por danos morais em razão da mora salarial e em função do atraso nos depósitos em sua conta vinculada. Entende que o dano moral se configura in re ipsa. Sustenta que está experimentando sérias dificuldades financeiras, pagando juros exorbitantes.
Razão lhe assiste.
Consoante o disposto no art. 459, parágrafo único, da CLT, quando o pagamento do salário for estipulado mensalmente, deverá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente.
Segundo o entendimento desta Turma, havendo atraso salarial por três meses ou mais, é presumível o dano moral. Havendo atrasos esparsos e inferiores a três meses, deve a parte autora demonstrar o abalo sofrido.
No caso em apreço, e como já examinado exaustivamente nos itens anteriores, a reclamada reconheceu nos autos o atraso no pagamento dos salários do reclamante, o que atribui à grave crise financeira pela qual passa. Portanto, é de se presumir que o empregado enfrentou dificuldades para honrar seus compromissos, tais como aluguel, luz, água, alimentação, entre outros. Fatos estes que desencadeiam o abalo moral.
Os atrasos reiterados caracterizam ilícito indenizável por parte do empregador, no que tange o caráter primário da contraprestação salarial para a subsistência do empregado.
Verifico, assim, o dano moral causado ao reclamante, além do prejuízo financeiro, porquanto a expectativa gerada com a data do pagamento, causou ao reclamante sofrimento decorrente da insegurança quando do adimplemento dos salários.
Nesse contexto, nos termos do artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, entendo presentes todos os requisitos para a configuração de situação passível de indenização, quais sejam, o abalo moral e a relação de causalidade entre este e a conduta do empregador, impondo-se a reforma da sentença quanto à indenização por dano moral.
Em relação ao quantum indenizatório, no exame de inúmeras situações que envolvem pretensões de ressarcimento por dano moral, tanto a doutrina como a jurisprudência acentuam a dificuldade de quantificar esse tipo de indenização. Contornando esta dificuldade, a jurisprudência predominante tem entendido que o montante indenizatório, com respeito ao dano moral, deve ser fixado pelo órgão judicante por meio de um juízo de equidade. É claro que a sensatez (equilíbrio), equanimidade, isenção, imparcialidade devem operar sempre no exercício desse juízo de equidade. A partir dos critérios orientadores acima expostos, aferidos e cotejados com sensatez, equanimidade, isenção e imparcialidade, estima-se (a operação é de arbitramento) o valor compensatório pelo dano moral produzido.
Imperativo atentar-se para o seguinte: que o montante arbitrado não produza enriquecimento ou empobrecimento sem causa das recíprocas partes; que não perca esse montante a harmonia com a noção de proporcionalidade, seja por deixar de compensar adequadamente o mal sofrido, seja por agregar ganhos financeiros superiores a uma compensação supostamente razoável.
Assim, dou provimento ao recurso do reclamante para condenar a reclamada à indenização pelos danos morais sofridos, no valor de R$ 3.000,00.
lbl
REJANE SOUZA PEDRA
Relator
PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:
DESEMBARGADORA REJANE SOUZA PEDRA (RELATORA)
DESEMBARGADORA CLEUSA REGINA HALFEN
DESEMBARGADOR JANNEY CAMARGO BINA
