Os desafios da terceirização de serviços públicos pela administração pública.
Atualizado 28/06/2022
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Primeiramente, o que é a terceirização no âmbito da administração pública?
O termo nasceu na Administração, visando essencialmente reduzir custos, permitindo que a empresa foque no seu negócio principal – sua atividade finalística para a qual foi concebida, delegando para outras empresas as atividades-meio as quais não estão necessariamente ligadas ao imo do negócio – sendo certo que pode existir também a terceirização de algumas atividades-fim.
Nas palavras do saudoso professor Celso Antônio Bandeira de Mello, a melhor definição já que sua origem não é jurídica, a terceirização “significa, pura e simplesmente, passar para particulares tarefas que vinham sendo desempenhadas pelo Estado.”
Assevera ainda que “este rótulo abriga os mais distintos instrumentos jurídicos, já que se pode repassar a particulares atividades públicas por meio de concessão, permissão, delegação, contrato administrativo de obras, de prestação de serviços etc.”
Assim, a ocorrência ou não de terceirização, no âmbito da administração pública, identifica-se pela interpretação do regime jurídico incidente sobre a espécie cogitada.
Pois bem, na ausência de conceituação jurídica, entende-se por terceirização na Administração Pública, o trespasse do exercício – não da titularidade – de atividades jurídicas ou materiais, realizadas no exercício de função administrativa, ou seja, sob a égide de um regime de Direito Público, a pessoas físicas ou jurídicas que, de algum modo, estejam habilitadas a desempenhá-las, em consonância com o disposto na Constituição da República, nas palavras da professora Carolina Zancaner Zockun.
Caracteriza fraude à Constituição a aplicação da nova lei da terceirização em contratações de prestação de serviços públicos pela Administração Pública?
Ao analisar detidamente a nova lei de terceirização, percebe-se, que, sua aplicação em contratações de prestação de serviços pela Administração Pública caracteriza fraude à Constituição Federal de 1988.
Isso porque haveria uma aplicação de lei com resultado por ela proibido, e não alcançando o fim por ela proposto.
Visto que o mandamento constitucional é pela exigência de realização de concurso público, nos termos do art. 37, II da Carta Magna, que dispõe o seguinte:
“II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”.
Nesse sentido, como assevera Henrique Correa:
“No entanto, o foco da Lei 13.429/2017 e da Reforma Trabalhista foi a regulamentação do trabalho temporário e da terceirização nas empresas. Portanto, as leis não foram criadas para aplicação na administração direta, autarquias e fundações públicas por não se equipararem às empresas privadas. Além disso, há previsão constitucional estabelecendo a necessidade de concurso público para provimento dos cargos e empregos públicos criados.”
Portanto, a Constituição Federal é hierarquicamente superior à legislação ordinária, seja na forma quanto no seu conteúdo, as disposições da nova legislação do trabalho temporário e terceirizado não excluirá a necessidade de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público.
Em resumo, se já existe cargo ou emprego público criado por lei, não é possível a terceirização pela Administração Pública, nas palavras do professor Henrique Correia.
O que pode ser terceirizado pela Administração Pública?
A matéria de terceirização na Administração Pública Federal antes possuía regulamentação pelo Decreto nº 2.271/1997.
Ocorre, que, presentemente foi editado o Decreto nº 9.507/2018, o qual revogou o Decreto nº 2.271/1997.
A nova regulamentação trouxe os limites do que pode ser objeto ou não de terceirização pela Administração Pública Federal.
Em seu teor trouxe o conjunto de regras para Administração Pública direta, autárquica e fundacional, aproveitando também para regrar as Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista, indicando regime diferenciado para ambas.
Em suma: Restrito para a Administração Pública direta, Autárquica e Fundacional e aberto/amplo para as Estatais.
O que pode ser terceirizado pela Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional?
Da leitura do Art. 3º, do Decreto nº 9.507/2018, não podem ser objeto de execução indireta na administração pública federal direta, autárquica e fundacional, os serviços:
“I – que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle;
II – que sejam considerados estratégicos para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias;
III – que estejam relacionados ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção;
IV – que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.”
Assim, o regramento veda a terceirização principalmente em três situações: (i) a prática de atos administrativos sobre questões de peso que tenham repercussão institucional e estratégica; (ii) quanto aos poderes típicos de regulamentar, fiscalizar e fomentar, dentre outros; e (iii) para atribuições legais de cargos e de empregos públicos.
Veja que a limitação é pesada, a terceirização ficou restrita às atividades secundárias (suporte ou apoio), contanto que não afete as abrangidas nas atribuições de cargos e empregos públicos, em observância à regra constitucional do concurso público já exposta neste verbete.
Além disso, o decreto aperta ainda mais os limites, ao § 1º do art. 3º do Decreto nº 9.507/2018, vejamos:
“Art. 3º […]
1º Os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de que tratam os incisos do caput poderão ser executados de forma indireta, vedada a transferência de responsabilidade para a realização de atos administrativos ou a tomada de decisão para o contratado.”
Aqui fica claro que a palavra final é da Administração Pública, podendo contratar e se utilizar de serviços de terceiros, porém, sem transferir a decisão para o particular (Ex: Pode fiscalizar a velocidade da via por equipamento eletrônico, por empresa privada contratada, mas quem deve lavrar o auto de infração é a autoridade pública de trânsito local – mantendo preservada sua competência).
O que pode ser terceirizado pelas Estatais?
O Decreto nº 9.507/2018 trouxe regras demasiadamente flexíveis para a terceirização pelas estatais.
Tal tratamento mais amplo e aberto em favor das estatais faz sentido, visto que elas são pessoas jurídicas de direito privado, ou melhor, pelo menos as que são exploradoras diretamente de atividade econômica, pois se submetem ao regime jurídico das empresas privadas, conforme o inc. II do § 1º do art. 173 da Constituição Federal/1988.
Em que pese, o art. 4º do Decreto nº 9.507/2018, vedar a contratação de serviços para atividades congêneres com as atribuições dos “cargos integrantes de seus Planos de Cargos e Salários”. Em seguida, admite a terceirização para essas mesmas atividades desde que amparada nos princípios da eficiência, economicidade e razoabilidade, autorizando nas hipóteses listadas nos seus incisos, vejamos:
(I) caráter temporário do serviço;
(II) incremento temporário do volume de serviços;
(III) atualização de tecnologia ou especialização de serviço, quando for mais atual e segura, que reduzem o custo ou for menos prejudicial ao meio ambiente; ou
(IV) impossibilidade de competir no mercado concorrencial em que se insere a estatal.
Afinal, a ampliação para as atividades-fim pela nova lei de terceirização ultimou as discussões sobre a terceirização por parte da Administração Pública?
Ao fim, há de se concluir conforme o pensamento do professor Joel de Menezes Niebuhr, o progresso das terceirizações no Brasil foi pensado para as empresas privadas e focado principalmente na possibilidade de fazê-lo em relação às atividades-fim, neste norte, foi concebida a Lei da Terceirização (13.429/2017) e a Reforma Trabalhista, bem como julgada procedente para assentar a licitude da terceirização de atividade-fim ou meio, pelo Supremo Tribunal Federal (ADPF nº 324 e RExt nº 958.252).
Contudo, a ampliação para as atividades-fim não resolve as discussões sobre a terceirização por parte da Administração Pública, porque o ponto de inflexão para ela é outro.
A peculiaridade da Administração Pública é que ela não pode valer-se da terceirização de igual forma das empresas privadas, visto que o inc. II do art. 37 da Constituição Federal, traz a obrigatoriamente o concurso público para prover cargos e empregos públicos. Tendo como grande obstáculo a terceirização pela Administração Pública no passado e hoje o regramento constitucional do concurso público, que é espécie de consequência do regime republicano.
