O movimento do judiciário trabalhista quanto a inconstitucionalidade do art. 791-A, §4º da CLT.
Atualizado 10/11/2023
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Antes da reforma trabalhista, a concessão da Justiça gratuita estava vinculada a uma condição de hipossuficiência de recursos ou pela mera declaração de miserabilidade, conforme expõe o art. 790, §3º da CLT:
§ 3º É facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior ao dobro do mínimo legal, ou declararem, sob as penas da lei, que não estão em condições de pagar as custas do processo sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família. (grifo nosso)
Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, que extinguiu parte da Lei 1.060/50 – a qual se norteava a Justiça gratuita juntamente com art. 790 da CLT, passou a tratar do tema a partir do art. 98 até o art. 102 do CPC/2015.
Quanto aos atos processuais abrangidos pelas isenções da Justiça gratuita, estes encontram-se no rol do §1º do art. 98 do CPC/2015, e os honorários advocatícios no inciso IV, como segue:
Art. 98. […] §1º A gratuidade da justiça compreende: (…) VI – os honorários do advogado e do perito e a remuneração do intérprete ou do tradutor nomeado para apresentação de versão em português de documento redigido em língua estrangeira; (grifo nosso)
Lembre-se, que na Justiça do Trabalho não subsistia a condenação de honorários advocatícios por mera sucumbência, em decorrência das diretrizes do art. 14 da Lei 5.584/1970 e das Súmulas nºs 219 e 329 do TST.
No entanto, com a promulgação da reforma trabalhista, a Lei 13.647/2017, houveram modificações relevantes para o direito e o processo do trabalho.
A referida alteração está contida no art. 790, §4º da CLT, este abaixo em destaque:
Art. 790. Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho. § 4º O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo. (grifo nosso)
Note-se que a prova a exigência de comprovação de miserabilidade inserida pela §4º do art. 790 da CLT, refere-se tão somente para o pagamento das custas do processo.
É de salientar que a lógica processual civil não é a mesma trabalhista, bem como, que o pilar da Justiça do trabalho sempre foi o acesso gratuito a este judiciário especializado, seja para o Reclamante, seja para o Reclamado.
Além disso, a Justiça do trabalho sempre teve seus princípios baseados sob o princípio da igualdade, de modo a equiparar o empresariado em sua maioria hiperssuficiente em contraste com o trabalhador.
O entendimento dos Juízes
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5766 já vem tratando desta questão, mas no momento encontra-se suspensa pelo Ministro Relator Luís Roberto Barroso para uma análise mais profunda.
Contudo, já houve uma decisão parcial na ADI em questão, nestes termos:
Decisão: Após o voto do Ministro Roberto Barroso (Relator), julgando parcialmente procedente a ação direta de inconstitucionalidade, para assentar interpretação conforme a Constituição, consubstanciada nas seguintes teses: “1. O direito à gratuidade de justiça pode ser regulado de forma a desincentivar a litigância abusiva, inclusive por meio da cobrança de custas e de honorários a seus beneficiários. 2. A cobrança de honorários sucumbenciais do hipossuficiente poderá incidir: (i) sobre verbas não alimentares, a exemplo de indenizações por danos morais, em sua integralidade; e (ii) sobre o percentual de até 30% do valor que exceder ao teto do Regime Geral de Previdência Social, mesmo quando pertinente a verbas remuneratórias. 3. É legítima a cobrança de custas judiciais, em razão da ausência do reclamante à audiência, mediante prévia intimação pessoal para que tenha a oportunidade de justificar o não comparecimento, e após o voto do Ministro Edson Fachin, julgando integralmente procedente a ação, pediu vista antecipada dos autos o Ministro Luiz Fux. Ausentes o Ministro Dias Toffoli, neste julgamento, e o Ministro Celso de Mello, justificadamente. Presidência da Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 10.5.2018. (grifo no original)
Alguns Tribunais Regionais do Trabalho também já tem se manifestado a respeito do debate em comento, como o TRT da 19ª Região, in verbis:
ARGINC. BENEFICIÁRIO DA JUSTIÇA GRATUITA. POSSIBILIDADE DE CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. ART. 791-A, § 4º, CLT. INCONSTITUCIONALIDADE. Se o art. 791-A da CLT, incluído pela Lei nº 13.467/17, impõe restrições às garantias fundamentais de assistência jurídica integral e gratuita (art.5º, LXXIV) e do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV), afrontando também o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), além de dar, equivocadamente, o mesmo tratamento a quem se encontra materialmente em situações desiguais, numa clara violação ao princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput), resta ao Poder Judiciário declarar a sua inconstitucionalidade.
Neste sentido ainda, há outra decisão pelo TRT da 3ª Região:
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. JUSTIÇA GRATUITA. Com o advento da Lei 13.467/17 foram modificados diversos dispositivos da Carta de Vargas e, dentre eles, houve a inserção do art. 791-A, que cuida dos honorários advocatícios sucumbenciais. A Justiça Gratuita é um instituto distinto dos honorários sucumbenciais, porquanto tem aplicação restrita a custas e emolumentos, não abarcando os honorários sucumbenciais que têm gênese própria. Nessa ordem de ideias, o reclamante, ainda que beneficiário da justiça gratuita, tem o dever de arcar com os citados honorários, quando condenado, pena de arrostar o novel dispositivo legal. Lado outro, não se pode olvidar que o princípio constitucional da isonomia, segundo o qual todos são iguais perante a Lei, conforme se dessume do art. 5º da Lei das Leis, estaria sendo vilipendiado, quando não observado. Vale lembrar, por oportuno, que o Constituinte, com a proverbial sapiência, teve o cuidado e a prudência de inserir a isonomia no caput do art. 5º, dos direitos e garantias fundamentais. Diante da falta de observação do mencionado princípio constitucional estar-se-ia configurando tabula rasa ao aludido princípio de máxima importância e cumprimento obrigatório. Assim, o reclamante sucumbente, ainda que beneficiário da justiça gratuita, deve arcar com os ônus a que deu causa, não sem antes lembrar que a palavra honorários advêm de honra – é o salário, estipêndio, fonte de renda daqueles que tanto lutam para manter condição de vida digna. Entendimento contrário, d.m.v., levaria à ilação de que o patrono do reclamante receberia – em ultima ratio – duas vezes – os honorários contratuais e os sucumbenciais – esses últimos pagos pela reclamada, e o patrono da acionada receberia os honorários contratuais, nada percebendo a título de sucumbenciais, o que demonstra o desequilíbrio das obrigações e igualdade. (TRT da 3.ª Região; Pje: 0010301-97.2018.5.03.0185 (RO); Disponibilização: 05/11/2018, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 1689; Órgão Julgador: Quarta Turma; Relator: Paulo Chaves Correa Filho)
Não diferente foi a decisão do Tribunal Pleno do TRT da 14ª Região, que assim declarou no processo de nº 0000147-84.2018.5.14.0000, in verbis:
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 4o DO ART. 791-A, DA CLT. REDAÇÃO CONFERIDA PELA LEI 13.467/2017. INCIDENTE ACOLHIDO EM PARTE. É inconstitucional a expressão contida no § 4º do art. 791-A, da CLT, com redação dada pela Lei n. 13.467/2017: “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa”, por violar a previsão contida no art. 5o, incisos XXXV e LXXIV do 7º, inciso XVI, da Constituição Federal.
Definitivamente 2019 já é um ano muito esperado para trabalhadores, empregadores e todos os envolvidos na Justiça do Trabalho.
