TRT4. ACRÉSCIMO SALARIAL POR ACÚMULO DE FUNÇÕES. As diferenças salariais por acúmulo de funções têm como fundamento a ocorrência de alteração contratual, …
Atualizado 12/08/2015
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PROCESSO: 0000209-31.2014.5.04.0231 RO
EMENTA
ACRÉSCIMO SALARIAL POR ACÚMULO DE FUNÇÕES. As diferenças salariais por acúmulo de funções têm como fundamento a ocorrência de alteração contratual, situação prevista no art. 468 da CLT, norma que veda ao empregador a modificação prejudicial das condições inicialmente contratadas com o empregado. Por esta perspectiva, o direito do trabalhador a uma majoração salarial se torna exigível quando o empregador, durante o período da relação contratual, passa a exigir atividades diferentes e mais complexas do que as inicialmente pactuadas, pelo mesmo salário. Dessa forma, são devidas as diferenças salariais deferidas, por ser evidente que as tarefas desempenhadas em acúmulo (operador de empilhadeira e motorista) são incompatíveis e de maior responsabilidade que as tarefas da função contratada (almoxarife). Recurso da reclamada não provido, no aspecto.
ACÓRDÃO
por unanimidade, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA para: a) autorizar a dedução dos valores comprovadamente pagos a título de horas extras pelo critério global, na forma da OJ nº 415 do TST; e b) remeter à fase de liquidação a discussão acerca dos critérios aplicáveis para apuração de juros e correção monetária incidentes sobre o crédito decorrente da demanda. Valor da condenação inalterado para os efeitos legais.
RELATÓRIO
A reclamada, inconformada com a sentença de procedência parcial (fls. 114-22), interpõe recurso ordinário (fls. 130-6).
Busca a reforma da decisão quanto aos seguintes aspectos: horas extras, intervalos intrajornada, acúmulo de função, juros e atualização monetária, imposto de renda e recolhimentos previdenciários, além de prequestionar as matérias.
Contra-arrazoado o recurso pelo reclamante (fls. 144-7), os autos são encaminhados a este Tribunal.
VOTO RELATOR
DESEMBARGADORA LAÍS HELENA JAEGER NICOTTI:
1. HORAS EXTRAS. INTERVALOS INTRAJORNADA
O Julgador da origem condenou a reclamada ao pagamento do adicional de horas extras (sobre as horas laboradas acima da 8ª hora diária até 8h48min por dia) e das horas extraordinárias mais adicional, estas consideradas como aquelas que excederem a jornada de 8h48min por dia e 44 horas por semana, conforme a jornada arbitrada e critérios estabelecidos na sentença. Também deferiu o pagamento de uma hora extraordinária por dia de efetivo trabalho com labor superior a seis horas por dia sem a concessão integral do intervalo intrajornada mínimo de uma hora, a serem apurados conforme a jornada que foi assim arbitrada: "fixo que o demandante trabalhava das 15h50min à 1h58min de segunda a sexta; das 15h à 0h em dois sábados por mês; e das 13h30min às 16h em um domingo por mês. arbitro, ainda, que o autor sempre usufruiu trinta minutos de intervalo."
A reclamada investe contra a decisão. Sustenta que os cartões-ponto comprovam que o reclamante trabalhava de segunda a sexta-feira, das 16h às 02h, sempre com uma hora de intervalo para repouso e alimentação. Alega que eventuais horas extras realizadas foram devidamente pagas ou compensadas. Impugna a jornada de trabalho declinada na inicial e assevera que cabia ao autor o ônus de provar suas alegações. Invoca os termos da Súmula nº 366 do TST. Requer a absolvição da condenação, inclusive quanto aos reflexos, que seguem a sorte do principal. Caso mantida a condenação, pretende que a compensação observe o período de fechamento do cartão-ponto (dia 16 de um mês ao dia 15 do mês seguinte). Por fim, reitera que o autor sempre usufruiu uma hora de intervalo intrajornada, nada sendo devido a tal título.
Examino.
O reclamante trabalhou para a reclamada de 02/03/2009 a 11/06/2012, quando pediu demissão (TRCT da fl. 36 e pedido de demissão da fl. 81). Foi contratado para exercer a função de almoxarife (CTPS da fl. 07v).
Na petição inicial o autor informou que laborava das 15h50min à 1h58min, de segunda a sexta; das 15h à 00h, na média de dois sábados por mês; e das 13h30min às 16h, na média de um domingo por mês. Disse, ainda, que usufruía apenas 30 minutos de intervalo intrajornada. Sustenta a invalidade do sistema de compensação horária, pela prestação habitual de horas extras.
Na contestação, a reclamada afirmou que o reclamante trabalhava de segunda a sexta, das 7h30min às 17h18min, com uma hora de intervalo, em regime de compensação de jornada. Argumentou que todas as horas laboradas foram anotadas em controles de ponto e pagas ou compensadas, sendo válido o regime compensatório.
Veja-se que o horário de trabalho alegado na contestação é completamente diferente do horário informado no recurso.
De todo modo, de acordo com o depoimento do preposto (fl. 108):
(…) o autor trabalhava no segundo turno, das 15h às 2h ou das 16h às 2h, sem saber ao certo; (…) que todo o horário de trabalho era anotado em cartão-ponto, inclusive o intervalo; (…) que havia labor em sábados produtivos, sendo no máximo dois por mês; que poderia acontecer de haver trabalho aos domingos, em regime de plantão; (…)
Os cartões-ponto estão juntados a partir da fl. 42 e registram horários de saída uniformes, sempre à 01h58min, com raras exceções. Assim, eles são inválidos como meio de prova da jornada efetivamente praticada. Adoto, no aspecto, os seguintes fundamentos da sentença, que passam a fazer parte integrante da presente decisão:
No caso, os registros de ponto das fls. 42-56 são irregulares, por haver horários britânicos – principalmente em relação ao horário de saída – e por não serem compatíveis com as horas extras constantes nos contracheques coligidos aos autos, a exemplo do registro de ponto da fl. 42 e contracheque respectivo (fl. 61v), razão pela qual considero verdadeira a jornada de trabalho indicada na inicial, nos termos do art. 74, §2º, da CLT, e Súmula nº. 338/TST.
Quanto ao intervalo intrajornada, a única testemunha ouvida alega que este intervalo é sempre de uma hora e sempre registrado mecanicamente (depoimento da fl. 108v). Entretanto, no caso do autor, o intervalo intrajornada anotado nos cartões de ponto sempre foi registrado manualmente, a exceção do cartão da fl. 56. Nessa medida, entendo que as declarações da testemunha, no ponto, são frágeis e inverossímeis, notadamente por serem contrárias às provas documentais coligidas pela própria ré.
Como a empregadora trouxe aos autos registros de horário uniformes, aplico ao caso o disposto na Súmula nº 338, item III, do TST:
III – Os cartões de ponto que demonstram horários de entrada e saída uniformes são inválidos como meio de prova, invertendo-se o ônus da prova, relativo às horas extras, que passa a ser do empregador, prevalecendo a jornada da inicial se dele não se desincumbir. (ex-OJ nº 306 da SBDI-1- DJ 11.08.2003)
Na hipótese, a reclamada não se desincumbiu do ônus probatório que lhe competia, cabendo destacar que as alegações recursais de que o ônus de comprovar a jornada de trabalho, neste caso, era do reclamante, tangenciam à má-fé.
Prevalece, portanto, a jornada de trabalho declinada na petição inicial e acolhida na sentença, no sentido de que o autor laborava das 15h50min à 1h58min de segunda a sexta; das 15h à 0h em dois sábados por mês; e das 13h30min às 16h em um domingo por mês; sempre usufruindo intervalo intrajornada de 30 minutos.
Em virtude da manutenção da jornada arbitrada na origem, conclui-se que havia a prestação habitual de horas extras, incidindo na espécie o disposto na Súmula nº 85, item IV, do TST:
IV. A prestação de horas extras habituais descaracteriza o acordo de compensação de jornada. Nesta hipótese, as horas que ultrapassarem a jornada semanal normal deverão ser pagas como horas extraordinárias e, quanto àquelas destinadas à compensação, deverá ser pago a mais apenas o adicional por trabalho extraordinário.
Além disso, não foi trazido à colação acordo individual escrito ou norma coletiva autorizando a implementação do regime compensatório semanal, conforme a exigência do item I da Súmula nº 85 do TST. Logo, não há como se considerar válido o sistema de compensação horária.
Nesse contexto, mantenho a condenação, nos exatos termos da sentença, inclusive quanto aos reflexos, ante seu caráter acessório.
Esclareço à reclamada que não cabe a aplicação da Súmula nº 366 do TST, porque os cartões-ponto não serão considerados para a apuração da jornada.
Quanto à compensação com as horas extras já pagas, ressalvado meu entendimento acerca da matéria e por questão de política judiciária, passo a adotar o entendimento prevalente nesta Turma Julgadora no sentido de autorizar o abatimento integral das horas extras pagas no período não prescrito, tal como previsto na OJ nº 415 do TST, que assim determina:
HORAS EXTRAS. RECONHECIMENTO EM JUÍZO. CRITÉRIO DE DEDUÇÃO/ABATIMENTO DOS VALORES COMPROVADAMENTE PAGOS NO CURSO DO CONTRATO DE TRABALHO. (DEJT divulgado em 14, 15 e 16.02.2012) A dedução das horas extras comprovadamente pagas daquelas reconhecidas em juízo não pode ser limitada ao mês de apuração, devendo ser integral e aferida pelo total das horas extraordinárias quitadas durante o período imprescrito do contrato de trabalho.
Com relação aos dias de afastamento do trabalho, ressalto que a decisão a quo já determinou que deverão ser desconsiderados na apuração das horas extras os períodos de férias, licenças ou afastamentos legais (fl. 119-v).
Por fim, em razão da manutenção da jornada arbitrada, que fixou que o reclamante usufruía 30 minutos de intervalo para repouso e alimentação, é devido o pagamento de uma hora, como extra, pelo gozo parcial do intervalo intrajornada. Adoto os termos da recente Súmula nº 63 deste Tribunal Regional (publicada no DEJT nos dias 03, 05 e 08 de junho de 2015) – e que está em consonância com a Súmula nº 437 do TST – in verbis:
Súmula nº 63 – INTERVALO PARA REPOUSO E ALIMENTAÇÃO. CONCESSÃO PARCIAL. A não concessão total ou parcial do intervalo intrajornada assegura ao empregado o pagamento integral do intervalo mínimo legal, e não apenas do período suprimido, na forma do art. 71, § 4º, da CLT.
Pelo exposto, dou provimento parcial ao recurso da reclamada para autorizar a dedução dos valores comprovadamente pagos a título de horas extras pelo critério global, na forma da OJ nº 415 do TST.
2. ACÚMULO DE FUNÇÃO. ACRÉSCIMO SALARIAL
O Julgador da origem deferiu ao autor o pagamento de um acréscimo salarial, por acúmulo de funções, no valor equivalente a 10% sobre o seu salário básico, a partir de 10/05/2010, com reflexos. Entendeu comprovado o exercício das funções de operador de empilhadeira e de motorista, que são incompatíveis e de maior responsabilidade que a atividade contratada, de almoxarife.
A reclamada sustenta que o reclamante foi admitido como almoxarife e que jamais trabalhou como operador de empilhadeira ou em outra atividade distinta daquela para a qual foi contratado. Diz que o autor não fez prova de suas alegações, nos termos do que determina o art. 818 da CLT. Assevera que não existe dispositivo legal que vede o exercício de mais de uma função pelo mesmo empregado no mesmo estabelecimento, podendo um trabalhador ser contratado para exercer duas ou mais atividades, mesmo estando submetido a um só contrato de trabalho. Pede a reforma do julgado.
Não prospera o apelo.
As diferenças salariais por acúmulo de funções têm como fundamento a ocorrência de alteração contratual, situação prevista no art. 468 da CLT, norma que veda ao empregador a modificação prejudicial das condições inicialmente contratadas com o empregado. Por esta perspectiva, o direito do trabalhador a uma majoração salarial se torna exigível quando o empregador, durante o período da relação contratual, passa a exigir atividades diferentes e mais complexas do que as inicialmente pactuadas, pelo mesmo salário.
Para que se caracterize alteração contratual, portanto, as tarefas acrescidas devem ser incompatíveis com o firmado entre as partes contratantes, de forma que se verifique extrema onerosidade para o trabalhador no exercício da nova função, acrescendo o conteúdo ocupacional originalmente pactuado, sem a devida contraprestação. Tal situação, de fato, ocorreu no caso em apreço.
O reclamante, como já mencionado, foi contratado para exercer a função de almoxarife (CTPS da fl. 07v). Ele afirmou na petição inicial que após 90 dias da sua admissão passou a trabalhar também como operador de empilhadeira e motorista.
A reclamada negou tais fatos na contestação.
Mas de acordo com o depoimento do preposto da reclamada (fl. 108 – grifei):
que o autor era almoxarife; que não sabe se o autor conduzia empilhadeira elétrica; que o autor tinha que conduzir a caminhonete para fazer entregas na GM; que não sabe se o autor tinha que abastecer o veículo no posto de combustível;
Nesse contexto, partilho dos seguintes fundamentos da sentença, que passam a integrar o presente acórdão:
A prova oral é esclarecedora.
Com efeito, o autor afirma "… que realizava atividades de almoxarifado, bem como operava empilhadeira elétrica dentro do almoxarifado; que também dirigia a caminhonete para entregar material dentro da GM; que abastecia o veículo".
A preposta da ré, por seu lado, diz "… que o autor era almoxarife; que não sabe se o autor conduzia empilhadeira elétrica; que o autor tinha que conduzir a caminhonete para fazer entregar na GM; que não sabe se o autor tinha que abastecer o veículo no posto de combustível".
Tendo em vista que a preposta da ré não sabe se o autor conduzia empilhadeira elétrica, fato central para o deslinde do feito, tenho que o desconhecimento do fato atrai a confissão ficta (art. 843, §1º, da CLT, e art. 343, §2º, do CPC) e, consequentemente, presunção de sua veracidade.
Por isso, considero verdadeiro o fato de que o demandante também operava empilhadeira elétrica.
Prosseguindo-se, os atestados de saúde ocupacional das fls. 37v-41 descrevem as atividades prestadas pelo autor, quais sejam receber, conferir, separar, identificar e armazenar os materiais recebidos; montar kits e entregar nas áreas solicitantes; movimentar materiais com empilhadeiras; e dirigir automóvel no pátio da empresa.
E no tocante a estes documentos, verifico que as atividades desenvolvidas pelo demandante foram gradualmente aumentadas no decorrer da relação jurídica de emprego, sendo incluídas entre as suas atribuições a movimentação de empilhadeiras e a condução de veículo, observando-se que a ré não junta aos autos o contrato de emprego do autor a fim de permitir a verificação das atividades inicialmente pactuadas.
Evidente, portanto, o acúmulo de função para a atividade de operador de empilhadeira e motorista, afastando-se das atribuições de almoxarife, funções nitidamente incompatíveis e de maior responsabilidade. Esclareço que a cláusula geral prevista no art. 456 da CLT somente é aplicável em caso de inexistir a pactuação da função específica a ser desempenhada. No caso, o demandante foi expressamente contratado para o cargo de almoxarife e exerceu, de maneira acumulada, a função de operador de empilhadeira e de motorista. Esses deveres não representam tarefas isoladas, mas um conjunto de atribuições que configuram funções autônomas e que, inclusive, necessitam de treinamento e aptidões específicos.
(…)
Quanto ao período de exercício do cargo de operador de empilhadeira e motorista, entendo que o autor realizou este tipo de atividade somente a partir de 10/5/2010 (fl. 40), por não constar nos ASOs coligidos aos autos o exercício dessas atividades antes desse período e por inexistir qualquer prova, sequer testemunhal, comprovando que o autor passou a exercer tais funções após 90 dias de trabalho, como alega.
No que tange ao plus devido, adoto, por analogia, o adicional de 10% previsto pelo legislador no art. 8º da Lei 3.207/57.
Dessa forma, são devidas as diferenças salariais deferidas, por ser evidente que as tarefas desempenhadas em acúmulo (operador de empilhadeira e motorista) são incompatíveis e de maior responsabilidade que as tarefas da função contratada (almoxarife).
Nego provimento ao recurso.
3. JUROS E ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA
Somente na fase de liquidação de sentença é que se podem fixar os critérios de juros e correção monetária, na forma da lei, sendo imprópria, neste momento processual, a discussão acerca da matéria.
Por essa razão, dou provimento parcial ao recurso, no aspecto, para remeter à fase de liquidação a discussão acerca dos critérios aplicáveis para apuração de juros e correção monetária incidentes sobre o crédito decorrente da demanda.
4. IMPOSTO DE RENDA E RECOLHIMENTOS PREVIDENCIÁRIOS
A incidência de descontos previdenciários e fiscais sobre os créditos resultantes de sentenças proferidas em ações judiciais decorre da aplicação da legislação vigente (art. 46 da Lei nº 8.541/1992 e artigos 43 e 44 da Lei nº 8.212/1991, com a redação dada pela Lei nº 8.620/1993). Logo, está correta a decisão que autorizou as retenções previdenciárias e fiscais cabíveis. A discussão acerca dos critérios a serem adotados é pertinente à fase de liquidação do feito.
5. PREQUESTIONAMENTO
Considero prequestionados todos os dispositivos legais, constitucionais e súmulas de jurisprudência invocados pela recorrente, na forma da OJ nº 118 da SDI-1 do TST e para os fins da Súmula nº 297 do TST.
